Sem Democracia, Não há Agroecologia!

Núcleos de Agroecologia realizam a quarta Caravana Regional do Sudeste e discutem retrocessos políticos para a agroecologia e agricultura camponesa

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Ato Público reúne estudantes, professores e movimentos sociais da região. Foto: Arquivo Caravana/SP

Durante os dias 17 a 21 de maio o estado de São Paulo recebeu a IV Caravana Agroecológica e Cultural do Sudeste. Ao todo, foram mais de 200 participantes que, divididos por cinco diferentes rotas, visitaram experiências de resistência em comunidades camponesas, quilombolas, ribeirinhas e urbanas tendo como objetivo a articulação das experiências da região Sudeste em torno da pesquisa, ensino e extensão em agroecologia. Como não poderia ser diferente, a Caravana também debateu os desafios políticos que estão colocados para a sociedade após o golpe político que colocou Michel Temer, do PMDB, de forma ilegítima na cadeira de presidente da República.

A Caravana Agroecológica e Cultural rumo ao Vale do Ribeira é uma realização da Rede de Núcleos de Agroecologia da Região Sudeste (R-NEA) e da Articulação Paulista de Agroecologia (rede APA), que por meio do Projeto Comboio Agroecológico Sudeste – apoiado pela Chamada Pública do Edital 81/2013 – conta com recursos do CNPq e de vários Ministérios, entre eles, o extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Debater os retrocessos, entre eles, para as universidades e à agricultura familiar, além de refletir caminhos de ação, foram momentos marcantes nos debates do Seminário Estadual e durante as rotas da Carana. 

O papel político das Caravanas

Por meio das Caravanas Territoriais, diversas organizações do movimento agroecológico, desde a preparação para o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), tem buscado fazer um exercício descentralizado de análise coletiva e contrastar os diferentes padrões de desenvolvimento rural dentro de cada território. Nos territórios por onde a Caravana passa, conta com o apoio das Articulações Regionais de Agroecologia, das organizações que prestam assessoria aos agricultores/as, das associações e cooperativas de agricultoras/es, dos grupos, coletivos de Agroecologia entre outros.

A aposta das Caravanas transcende o intercâmbio de experiências e a interação entre os participantes. As Caravanas são metodologias pedagógicas que desafiam as universidades, a sociedade civil e os movimentos sociais à refletirem sobre as suas práticas de mobilização e diálogo com a sociedade. Por meio de rodas de conversa, do contato direto com experiências de resistência e de outras ferramentas inspiradas nas metodologias da Educação Popular, as Caravanas constroem leituras críticas sobre os territórios por onde passam e apontam novas formas de pensar a pesquisa, o ensino e a extensão em agroecologia.

Em um período histórico que nos desafia à fortalecer as parcerias e ampliar o debate político sobre os desafios que estão colocados à agroecologia, as Caravanas Agroecológicas são caminhos para integrar pessoas que mantém viva a memória e a prática cotidiana da agricultura agroecológica. Provocando, não apenas conexões temporárias, mas, sobretudo, estimulando o diálogo entre os conhecimentos tradicionais e a produção acadêmica das universidades, as Caravanas são espaços de reconhecimento de história de vida e resistência.

Vale do Ribeira: Histórias de Vida e Resistência
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Plenária das Mulheres na Barra do Turvo durante rota 1 – Espírito Santo, Zona da Mata Mineira e de SP. Foto: Arquivo Caravana SP

A região do Vale do Ribeira, situada ao sul do Estado de São Paulo, traz um histórico de ocupação e exploração econômica que se destaca pelas limitações e obstáculos naturais aos grandes cultivos de monocultura que se expandiram com maior velocidade em outras regiões do estado. 

Quem conhece São Paulo apenas por sua metrópole, não imagina que cidades como as do Vale do Ribeira existem. A região mantém 21% dos remanescentes de Mata Atlântica existentes no Brasil sendo, portanto, a maior área contínua desse importante ecossistema do país. A política preservacionista implementada pelo governo militar a partir de 1969, com a criação do Parque Estadual do Jacupiranga na região, deu início a diferentes conflitos envolvendo a criação de novas unidades de conservação e as comunidades tradicionais. Atualmente são diversos e grandiosa as Unidades de Conservação existentes na região, das quais se destacam o PETAR – Parque Estadual Turístico do Alto do Ribeira que reúne um complexo com mais de 300 cavernas, além do Parque Estadual Intervales,  o Parque Estadual Carlos Botelho e a Estação Ecológica de Xitué.

Ao lado dos conflitos envolvendo conservação ambiental e comunidades tradicionais, cidades inteiras inseridas em um território com fragilidades socioeconômicas ímpares no estado de São Paulo. A população total do território é de 443.325 habitantes, dos quais mais de 114 mil vivem na área rural, o que corresponde a 25,94% do total. São 7.037 agricultores familiares, 159 famílias assentadas, 33 comunidades quilombolas e 13 terras indígenas segundo Programa Territórios da Cidadania. Seu índice de Desenvolvimento Humano (IDH) médio é 0,75 e é aqui que estão localizadas as cidades com os menores indicadores do estado, como é o caso da Barra do Chapéu que têm IDH de 0,65. 

Fruto de políticas sociais que historicamente desprivilegiam os mais pobres, essa região do estado é um exemplo de que não basta garantir a produção de alimentos limpos e a comercialização para quem pode pagar. Debater a agroecologia é enfrentar os desafios colocados à soberania e segurança alimentar. Mas, em meio a tantos desafios, diversas comunidades constroem experiências de resistência e encontram na organização comunitária e na agroecologia formas de manter vivas suas histórias.  

Seminário debate o contexto político com participação de movimentos sociais
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Seminário da Caravana debate a agroecologia na Câmara dos Vereados de Barra do Turvo

O Seminário “Agroecologia: Histórias de Resistência e Esperança”, realizado na Câmara dos Vereadores de Barra do Turvo  (SP), reuniu diferentes representantes da luta pela agroecologia e pelo direito das comunidades tradicionais que vivem no Vale do Ribeira. Entre eles, Pedro Baiano, da Cooperafloresta, apresentou a produção de alimentos na região por meio do cultivo de sistemas agroflorestais na Mata Atlântica e suas contribuições na construção de um território saudável e biodiverso.

Representante da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Quilombolas, Nilce Pontes Pereira,  partilhou histórias sobre a luta pelos territórios quilombolas dentro das Unidades de Conservação. Nilce e Bira, do Movimento dos Atingidos por Barragens, trazem para o centro do debate os projetos de mineração e “desenvolvimento” que ameaçam o Vale do Ribeira: “Como vamos caminhar para preservar nossa gente e nossos territórios?”, ele resgata o exemplo do crime Samarco/Vale/PHB, em Mariana-MG, ao falar da ameaça das barragens às comunidades quilombolas. Segundo Bira: “aqui na região essa luta contra as barragens é uma luta histórica, pois no Vale do Ribeira, o Ribeirão do Igapé é o único rio que sobrou sem barramento em todo o estado de São Paulo. Temos resistido aos projetos cujo mais antigo é o da Usina de Tijuco Alto. Mas, há outras três (barragens previstas) abaixo. Para a Bacia do Rio Ribeira, só para vocês terem uma ideia, existem 24 projetos de barragens projetadas”. Nilce e Bira encerram, deixando claro que lutar pela agroecologia é resistir e enfrentar projetos políticos que ameaçam as comunidades.

Acorda Maria Bonita, Acorda a hora que quiser. Que o dia já vem raiando e o marido já fez café”. É colocando todas e todos para cantar que Sheyla Saori da SOF, Sempre Viva Organização Feminista, partilhou, o trabalho realizado com as agricultoras do Vale do Ribeira. Sheyla contou que a construção de relações de união e cooperação entre mulheres, fortalecidas através do fazer agroecológico e da auto-organização, vem sendo caminhos para a valorização e garantia de direitos, um dos temas centrais para a Caravana de SP. Ela ainda repudiou as últimas decisões do governo transitório de Temer, que inaugurou seu governo sem a presença de nenhuma mulher nos cargos administrativos dos ministérios. Outros representantes de organizações locais e estaduais também estiveram presentes e contribuíram com o Seminário que prosseguiu com a participação da plenária em rodadas de círculos de cultura.

“Como este momento político ameaça a agroecologia?” foi uma das questões debatidas pela plenária do Seminário. Entre as principais ameaças citadas pelos participantes foram citadas: a “repressão – o falso governo é totalmente contrário ao que a gente pensa e pratica. Além da “repressão à nossa ideologia”, citada novamente, a “perda de autonomia”, a “insegurança no campo”, a ”criminalização dos movimento sociais” e ”desarticulação”, foram outros elementos apontados. Outros debates apontaram ainda à necessidade de resgatar bandeiras de luta históricas e a urgência da reinvenção, caminhos que se entrecruzam, nessa conjuntura política adversa e que podem ser caminhos de atuação conjunta. 

Para Irene Cardoso, coordenadora do Projeto Comboio, “não é possível avançar na agroecologia sem bases democráticas. A luta pela agroecologia é também uma luta contra projetos que ameaçam os direitos dos agricultores, das mulheres. Temos que resistir sem temer jamais”, encerra Irene que é também presidente da ABA-Agroecologia.

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Questão de gênero é pauta de destaque na Caravana SP Foto: Carol/Equipe de Comunicação-Caravana de SP
Rede de NEAs e a Construção do Conhecimento Agroecológico no Sudeste

A atuação articulada entre agricultores/as, técnicas/os e pesquisadoras/es na construção da Agroecologia enquanto ciência, prática e movimento social na região Sudeste, guarda desafios importantes.

Aproximar e amplificar ações realizadas nos quatro estados do Sudeste, dentro e fora das universidades, envolve avaliar, sistematizar e manter fortes os laços construídos ao longo dos últimos anos na região e outros, estabelecidos e reforçados com o Projeto Comboio (Rede de Núcleos de Agroecologia do Sudeste).

Os Núcleos de Agroecologia são conquistas do movimento agroecológico no Brasil que, desde 2010, vem travando disputas importantes e garantido alocação de recursos em ações integradas de ensino, pesquisa e extensão em agroecologia. Desde então, diversos outros editais públicos já foram lançados para as universidades, institutos federais e entidades de pesquisa, movimentando mais de 150 NEAs em todo o país. Os retrocessos em curso neste governo provisório representam ameaças sérias aos avanços construídos, em meio à muita resistência, pelos estudantes, educadores/as e pesquisadores/as que, espalhados nas cinco regiões, estão construindo alternativas concretas e avançando na construção do conhecimento agroecológico que permita contrapor, cada vez mais, o modelo agrária hegemônico no Brasil.

As ações do Projeto de Sistematização de Experiências, realizado pela ABA-Agroecologia, apontam para julho, um Seminário Regional previsto para acontecer em Sete Lagoas (MG). Além de mergulhar sobre as lições apreendidas nesse período, o Seminário também convidará as articulações estaduais de agroecologia à, novamente, debaterem com os núcleos de agroecologia, novas ações que reafirmem que “sem democracia, não há agroecologia”.

O texto é produção Coletiva inspirada no Caderno do Participante e das relatorias da Caravana de SP.

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