Seminário Regional do Sul: fim do primeiro ciclo de colheitas da Sistematização

Em três meses, cinco regiões do país!  Juti (MS), Sete Lagoas (MG), Castanhal (PA), Olinda (PE) e Lapa (PR), acolheram as mais de 321 pessoas, de 111 organizações diferentes, diretamente envolvidas na construção e realização dos cinco Seminários Regionais de Sistematização de Experiências.

O último dos cinco seminários regionais encerrou-se nas terras frias do sul do país. Entre os dias 19 e 20 de setembro, representantes de mais de 21 núcleos de agroecologia e organizações estiveram presentes na Escola Latina Americana de Agroecologia, a ELAA, localizada no município da Lapa no Paraná. Durante dois dias, partilhamos espaços para troca de experiências, articulação e formação sobre os processos de sistematização.

Por que sistematizar experiências?

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No Brasil, milhares de experiências são cotidianamente protagonizadas por agricultores e agricultoras ajustadas a variados contextos socioambientais e distintos processos sócio-biodiversos, que constituem-se em opções concretas de produção ecológica, em contraposição ao ordenamento social e econômico excludente que prevalece no meio rural. Estas experiências em curso, em todas as regiões do país, mobilizam atualmente um número expressivo de profissionais atuantes em instituições científico-acadêmicas onde os Núcleos e Redes de Núcleos de Estudo em Agroecologia e Sistemas Orgânicos de Produção (NEAs e R-NEAs), propostos no âmbito de dois editais lançados pelo CNPq, em parceria com alguns ministérios, vem garantindo espaços de diálogo e exercício da indissociabilidade tão desejada entre o ensino, a pesquisa e a extensão em agroecologia.

Estes avanços são muitas vezes desconhecidos pela falta de registro, análises mais aprofundadas das atividades executadas e de reflexão coletiva sobre os avanços e os desafios na ação. Também é percebida a falta de análise explícita e síntese dos conhecimentos ecológicos regionais, que merecem atenção especial na prática da agroecologia, como apontam estudiosos da agroecologia, como Altieri (2004) e Horton e Mackay (2003). A lacuna na sistematização dessas lições aprendidas é um obstáculo na incorporação dos aprendizados desenvolvidos no fazer coletivo dos grupos, agricultores, cooperativas e movimentos, por exemplo.

A sistematização de experiências é então escolhida pelo Projeto de Sistematização, apoiado pelo extinto MDA e pelo CNPq, por entendê-la como a abordagem metodológica apropriada para analisar o papel dos Núcleos de Estudo em Agroecologia na construção e socialização de conhecimentos agroecológicos oriundas da ação pública. A sistematização orientada pelos pressupostos da Educação Popular é entendida como um processo capaz de responder questões, gerar conhecimentos e derivar lições e recomendações para o desenvolvimento contínuo de projetos e práticas e, por isto, é entendida também como um processo de pesquisa.

A sistematização representa um conjunto de práticas e conceitos que propiciam a reflexão e a reelaboração do pensamento (e consequentemente da prática) a partir da apropriação da realidade concreta de um processo vivido. É uma forma de pesquisa social, orientada por critérios fundamentais que possibilitam a construção de conhecimentos. Aliada à pesquisa-ação e à pesquisa participante criam condições para o enraizamento do campo agroecológico enquanto ciência, movimento e prática, princípios que orientam o fazer da ABA-Agroecologia.

As práticas dos NEAs no Sul do País: Sínteses Conjuntas

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Vinculadas à Chamada Pública do CNPq 81 de 2013, além das chamadas subsequentes, foram executados 21 projetos a partir dos Núcleos de Agroecologia na região Sul do país. Com oito NEAs no Paraná, oito no Rio Grande do Sul e quatro em Santa Catarina, além da Rede Sul de Núcleos de Estudo de Agroecologia e Sistemas de Produção Orgânicos, a ReSNEA, muitos trabalhos foram realizados envolvendo agricultoras/es, técnicas/os, pesquisadoras/es, educadoras/es e estudantes nas mais diferentes localidades.

Orientados por práticas que vão além da execução de projetos produtivos, os NEAs observaram que, no que diz respeito aos processos educativos proporcionados pelos núcleos, leva-se em conta a formação para transformação da realidade, e já avançaram bastante nesse aspecto. Contudo, como a sistematização envolve olhar também para os desafios, ainda temos muito o que aperfeiçoar nas propostas pedagógicas, conteúdos, interação dos conteúdos e processos educativos com a sociedade, educação popular, em busca de metodologias de ensino mais participativas, inclusivas e emancipatórias.

Grande parte dos núcleos carrega histórias de luta e resistência. Ao construirmos a linha do tempo, na primeira parte da manhã no Seminário, depoimentos emocionados narram os desafios de construir a agroecologia na região Sul do país, marcada por modelos convencionais e extensivos de produção, muita violência dos latifúndios e, mais recentemente, pela presença massiva das multinacionais do agronegócio.

Conhecemos a trajetória dos NEAs na região e reconstruímos a história de luta de muitos educadores e estudantes reunidos. Momentos que passam pelos primeiros Encontros Brasileiros de Agricultura Alternativa, grandes ocupações de terras, Congressos Brasileiros de Agroecologia, como o realizado em Curitiba em 2009, além das anuais Jornadas de Agroecologia, que completaram em 2016, 15 anos de história.

O educador Arthur Nanni, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), conta a acalorada história do Núcleo de Estudos em Permacultura, o Neperma. Oficialmente criado em 18 de junho de 2013, o Neperma procura congregar professores e alunos das mais diferentes áreas que a permacultura atua, para promover ações de pesquisa, ensino e extensão. O Núcleo está sediado junto ao Laboratório de Análise Ambiental da UFSC e conta com computadores, biblioteca, local para reuniões e apresentações.

Reconhecer a prática do Núcleo dentro da universidade não foi tarefa simples, e o depoimento do Arthur foi semelhante ao de muitos presentes no Seminário: discutir agroecologia é repensar o modelo de ensino que impera na formação convencional das agrárias e de outros cursos de graduação e pós.

Além da linha do tempo, os NEAs produziram sínteses sobre as práticas, aprendizados e desafios observados na construção das ações. Orientados pela matriz de sistematização, os núcleos e participantes do seminário transitaram por diferentes temas gerais e transversais que compõem a matriz: processos educativos, metodologias participativas, redes e parcerias, saúde, gênero, agrobiodiversidade, políticas públicas, juventude e etnicidades.

A Escola Latina: por uma formação popular em agroecologia!

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A Escola Latina de Agroecologia (ELAA) acolhe e inspira a sistematização de experiências enraizada na Educação Popular e no vínculo direto com os movimentos sociais e organizações do campo e da cidade. Surgiu em 2005, a partir de iniciativa da Via Campesina Latino americana com a proposta de formação de técnicos para as áreas de reforma agrária e pras comunidades camponesas na América Latina.

Segundo Simone Rezende, educadora da ELAA, “a Escola surge a partir da decisão de se pensar o processo de educação em agroecologia que rompesse com o formato tecnicista […] nesses 10 anos, a ELAA vem se desafiando no sentido de articular as lutas dos movimentos campesinos, a resistência e produção agroecológica, na sistematização de experiências, na formação de sujeitos capazes de, nas suas comunidades, junto com os movimentos construir processos de transição e formação em agroecologia”

Espaços para troca de saberes sobre metodologias, o contato com os alimentos e com a agroindústria do assentamento Contestado foram incorporados à programação do Seminário do Sul, garantindo a troca de experiências com a ELAA e as práticas integradas desenvolvidas no âmbito da Reforma Agrária.

Desafios e Aprendizados Coletivos: três experiências e múltiplos caminhos conjuntos

Nesses dias, concretizamos intensa vivência com as educandas/os e educadoras/es da (ELAA), oportunidades de reconstrução da memória coletiva da agroecologia na região Sul e diálogo sobre os eixos de sistematização que constroem os vitrais de experiências.

O compromisso e a disponibilidade em construir processos coletivos, a partir do projeto de sistematização, são marcas deixadas pela turma do Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina que segue em rede.

O Núcleo de Estudos em Agroecologia da Universidade de Passo Fundo (NEA/UPF) no Rio Grande do Sul; o NEA Cantuquiriguaçu da Universidade Federal da Fronteira Sul localizada em Laranjeiras do Sul no Paraná e a Rede SAFAS – Rede de Sistemas AgroFlorestais Agroecológicos do Sul (SAFAS), sediado em Santa Catarina, serão as experiências de NEAs que serão acompanhados, com maior profundidade, em seu processo de sistematização. Oficinas regionalizadas, tendo esses Núcleos como referência, serão realizados para que o processo coletivo de sistematização seja construído na região a partir de cada realidade.

A continuidade de processos de formação, o diálogo entre os NEAs mais próximos, a qualificação das estratégias de comunicação e outras ações em rede foram apontadas como ações prioritárias e complementares à ação de acompanhamento dessas três experiências.

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Um dos maiores ganhos dos processos de sistematização é a disponibilização da nossa inteligência coletiva, nossos acertos e desafios para novos usos, reflexões e ressignificações e continuarmos tecendo essa rede de saberes, sabores e práticas. Dessa forma, a relatoria do Seminário será partilhada em breve para todas/os participantes.

Como lembra Eros Mussoi, vice presidente da ABA-Agroecologia,  mais do que nunca, o desafio coletivo se transforma em aprendizado coletivo: todos os Núcleos de Agroecologia e as organizações parceiras, nas cinco regiões do país, estão convidadas à sistematizar as lições aprendidas com a diversidade de práticas e saberes tecidos nos diferentes territórios.

Texto: Natália Almeida e Rafaela Dornelas – Coletivo de Comunicação`Popular do Sudeste inspiradas na memória coletiva do Seminário e no texto do projeto de sistematização UFV/Embrapa Agrobiologia/UFRPE/ABA-Agroecologia

Fotos: Rodrigo Avelar – Coletivo de Comunicação`Popular do Sudeste

Entre os participantes do Paraná: Coletivo Juçara de Agroecologia, UFPR-Nutrição, IFPR-Campo Largo, IFPR-Campus Paranaguá, NEAT-Bandeirantes, NEA-Cantuquiriguaçu, CPRA-Centro de Referência de Agroecologia, Associação de Agricultoras e Agricultores AMAE e educadores, educandos da ELAA;

de Santa Catarina um grupo diverso da UFSC – NEPERMA, NUCA, LECERA, NEPEA e a Rede SAFAS além dos representantes indígenas da Aldeia Itatez e representantes da ABA-Agroecologia;

do Rio Grande do Sul: NEA-Passo Fundo (UPF), do GAE da UFPel e da REGA – Rede de Grupos de Agroecologia do Brasil. Além de representantes governamentais do Sead/Saf/Dater e da consultoria do extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário.

 

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