Manifesto de Repúdio pela demissão de Vicente Almeida da Embrapa

A ABA-Agroecologia entende que estamos diante de uma situação-limite, emblemática e representativa de tendência que parece ameaçar a todos profissionais comprometidos com a construção da agroecologia, trabalho digno e instituições públicas democráticas, que compromete consequentemente a construção da Agroecologia no país.

Pedimos ampla divulgação do Manifesto acompanhado deste abaixo assinado que pede a reversão da demissão de Vicente.

Leia o Manifesto na íntegra abaixo ou clicando aqui: Manifesto_ABA-Agroecologia

Para la versión en español: Manifiesto_ABA-Agroecologia

For English version: Manifest_ABA-Agroecologia

Manifesto de Repúdio da ABA-Agroecologia à demissão do pesquisador Vicente de Almeida pela presidência da Embrapa

A demissão de Vicente não é fato isolado e representa uma intimidação clara à todos/as trabalhadores/as da Embrapa comprometidos com avaliação de impactos de agrotóxicos e transgênicos, com o desenvolvimento da agricultura familiar, da agroecologia e com a luta por trabalho digno nas instituições públicas

A Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia) reúne profissionais e estudantes das mais diversas áreas do conhecimento e desde sua criação, em 2004, vem realizando e apoiando ações dedicadas à construção do conhecimento agroecológico. Desde sua origem, o número de associados tem crescido muito, haja vista o último Congresso Brasileiro de Agroecologia realizado em Brasília, em 2017, que reuniu mais de 4000 pessoas, assim como tem crescido a participação da ABA-Agroecologia junto aos diferentes espaços em que a Agroecologia está se destacando como solução para a sustentabilidade da agricultura.

Através deste Manifesto a ABA-Agroecologia repudia a demissão de Vicente Soares de Almeida da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no último dia 28 de fevereiro. A ABA-Agroecologia entende que estamos diante de uma situação-limite, emblemática e representativa de tendência que parece ameaçar a todos profissionais comprometidos com a construção da agroecologia, trabalho digno e instituições públicas democráticas, que compromete consequentemente a construção da Agroecologia no país.

Vicente é engenheiro agrônomo, e tem apoiado e participado de espaços para a construção do conhecimento agroecológico conjuntamente à ABA-Agroecologia desde sua origem. Mestre em impactos ambientais, Vicente ingressou na Embrapa por concurso público em 2005 para atuar na área de Impactos Ambientais. Vicente é duplamente reconhecido nos espaços em que participa. Primeiro por sua contribuição enquanto pesquisador sobre políticas públicas para transição agroecológica, na interface ambiente e saúde e impactos socioambientais dos agrotóxicos na agricultura. Suas contribuições em diversos grupos multidisciplinares de pesquisa no país sobre o tema tem também repercussões no interior da ABA-Agroecologia. Segundo, e de igual importância, por sua história de dirigente sindical na Embrapa. Vicente foi presidente do Sindicato Nacional dos Trabalhadores de Pesquisa e Desenvolvimento Agropecuário (Sinpaf).

A atuação profissional de Vicente, assim como de diversos outros/as trabalhadores/as e pesquisadores/as da Embrapa, tem sido essencial para a construção do campo agroecológico no Brasil, que cresceu muito nos últimos 15 anos. Isto tem forte relação com o avanço organizativo, tanto na articulação entre organizações populares de trabalhadores/as rurais, entre produtores agroecológicos e consumidores, assim como entre grupos de pesquisa em diferentes instituições em nosso país. A força da agroecologia, como campo científico, práticas e movimento social é inquestionável. Como exemplo, citamos o Marco Referencial em Agroecologia da EMBRAPA (2006) que representa uma conquista e contribuição histórica de seus/suas trabalhadores/as e pesquisadores/as para o avanço de agriculturas mais sustentáveis. Vários trabalhadores da Embrapa participam da construção da ABA-Agroecologia e nossa Associação busca contribuir com o avanço da agroecologia junto à Empresa através de uma cooperação que se materializa na participação do Fórum de Agroecologia da Embrapa e na coordenação cooperada da Coleção Transição Agroecológica, que até o momento publicou três, dos dez volumes previstos. Não restam dúvidas de que a Embrapa pode contribuir e muito para o avanço da agroecologia no Brasil, assim como a necessidade de se retomar o Marco Referencial em Agroecologia no debate estratégico da Empresa.

De forma mais ampla, nos últimos 15 anos algumas políticas públicas e programas estratégicos foram conquistados em nosso país, entre as quais destacamos Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, Política Nacional de Alimentação e Nutrição, Guia Alimentar da População Brasileira, Programa de Aquisição de Alimentos, Programa Nacional de Alimentação Escolar e Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica. O conjunto dessas políticas e programas, assim como o Marco Referencial em Agroecologia da Embrapa dão sustentação ao trabalho do pesquisador Vicente de Almeida e de todos os/as trabalhadores/as da Empresa comprometidos com o campo agroecológico e com a agricultura familiar.

A perseguição de pesquisadores que revelam os impactos da agricultura baseada no paradigma da agricultura como negócio é uma prática recorrente em âmbito internacional e no Brasil. Considerando as perseguições promovidas por multinacionais que concentram o mercado de agrotóxicos e sementes transgênicas destacamos 3 (três) casos internacionais: Andres Carrasco, da Faculdade de Medicina da Universidade de Buenos Aires, Argentina; Gilles-Eric Séralini, da Universidade de Caen, na França, e Tyrone Hayes pesquisador da Universidade da Califórnia em Berkeley, nos EUA.

No Brasil a perseguição à pesquisadores também tem se multiplicado nos últimos anos. Citamos como exemplo três casos recentes: Fernando Carneiro, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz, sofreu tentativa de censura e intimidação por debater os impactos de venenos agrícolas através de uma interpelação judicial demandada pela Federação da Agricultura do Estado do Ceará. Marcos Sorrentino, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ/USP), foi submetido a uma sindicância por organizar atividade acadêmica com assentados da Reforma Agrária. Carlos Monteiro, pesquisador da Faculdade de Saúde Pública, da USP e coordenador do Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição em Saúde, vem sofrendo ataques da indústria de alimentos após ter publicado estudos e ter defendido uma nova classificação para os alimentos.

No caso de Vicente, ele se notabilizou pela denúncia de abusos e pela defesa de segmentos menos favorecidos do campo, bem como de tecnologias amistosas em relação ao ambiente e, pela autonomia e respeito aos direitos dos/as trabalhadores/as da Embrapa, bem como sobre responsabilidades sociais da empresa. Neste sentido, entendemos que a demissão de Vicente constitui ameaça a uma forma de trabalho e a uma visão de desenvolvimento, que supõem necessidade de autonomia para a própria Embrapa, em relação aos desejos de transnacionais e à subserviência de agentes públicos, a serviço das mesmas.

Sabidamente, entre as causas da perseguição a Vicente está o fato de haver colaborado para a elaboração e veiculação de documentário chamado “A vida não é experimento”, assim como pode ter relação com sua produção científica, como do artigo “Uso de sementes geneticamente modificadas e agrotóxicos no Brasil: cultivando danos”. Entendemos que estes documentos, ao contrário de depor contra a Embrapa, contribuem com a consolidação da Agroecologia como linha estratégica da empresa e fortalecem o exercício democrático e a tentativa de melhoria das condições de trabalho na Empresa.

A demissão de Vicente não é fato isolado e representa uma intimidação clara à todos/as trabalhadores/as da Embrapa, Universidades, Institutos Federais e instituições públicas afins, comprometidos com avaliação de impactos de agrotóxicos e transgênicos, com o desenvolvimento da agricultura familiar e da agroecologia e com a luta por trabalho digno nas instituições públicas. Trata-se de um recado claro, de marginalização e criminalização, que fere o princípio democrático da produção científica crítica e a serviço da maioria da sociedade brasileira.

Para a ABA-Agroecologia, a Embrapa está se desviando de seu papel histórico, e a demissão de Vicente ilustra de forma clara, tendência que compromete o futuro. A Embrapa precisa retomar de forma estratégica uma agenda a serviço da sustentabilidade socioambiental no país. Entendemos que a Agroecologia é um enfoque científico, teórico, prático e metodológico, que se estende a diversas áreas do conhecimento em amplo diálogo, que se propõe a estudar processos de desenvolvimento sob uma perspectiva ecológica e sociocultural e, a partir de um enfoque sistêmico – orientada a desenvolver sistemas agroalimentares mais sustentáveis em todas as suas dimensões. Portanto, se faz necessário construir capacidades e isto exige reforçar ao invés de dispensar quadros funcionais.

Brasil, 06 de março de 2018

ABA – Agroecologia”