Mais de três mil pessoas estão acompanhando as atividades do VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) na Pontifícia Universidade Católica (RS), no Rio Grande do Sul. Estiveram presentes na mesa de abertura nesta manhã (25) autoridades do governo federal, estadual, cientistas e movimentos sociais, dentre outros setores da sociedade. Nesse ano completa-se dez anos de realização do Congresso, que é o principal evento acadêmico em agroecologia do Brasil em busca de contribuir com subsídios teóricos as políticas públicas para um novo modelo de desenvolvimento rural no país.
De acordo com Gervásio Paulus, da Emater/RS e presidente do CBA, desde a realização do I Congresso Brasileiro de Agroecologia vivemos uma época de mudanças e uma mudança de época. Daí a necessidade de se refletir sobre as mudanças necessárias para mudar o modelo de desenvolvimento, disse.
“Temos relatórios internacionais que apontam para isso, é uma crise não só econômica e ambiental, é uma crise civilizatória. Por isso o tema central é cuidando da saúde do planeta, o objetivo desse evento é um espaço para reflexão: contribuir para mudanças paradigmáticas, processos de produção mais generosos com os recursos naturais e um modelo de desenvolvimento socialmente inclusivo. Esperamos sair ainda mais fortalecidos após esses debates e reflexões, nada é mais poderoso que uma ideia cujo tempo chegou”, afirmou.
A agroecologia vem se consolidando há décadas como uma agricultura alternativa que une prática e ciência aos movimentos sociais de forma descentralizada, contextualizou Paulo Petersen, presidente da ABA. Atualmente são mais de duzentos e cinquenta grupos de pesquisa e cem cursos de agroecologia no Brasil, é um processo que ganha cada vez mais coerência no enfrentamento à força avassaladora e predatória do agronegócio, complementou. Para ele, não é possível fazer pequenos ajustes na linha da economia verde e a agroecologia consegue enfrentar na raiz a natureza dessa crise.
“Despertar antes que seja tarde demais, esse é o título do mais recente documento lançado pela Conferência das Nações Unidas para o Desenvolvimento. O título já é expressivo em caráter de urgência, sai em conjunto com outros documentos anunciando o mesmo tipo de diagnóstico: a existência de uma crise profunda, global, multifacetada, que não tem soluções para o mesmo receituário adotado nas últimas crises pelo mercado. As crises econômicas e ecológicas fazem parte de uma mesma crise sistêmica e precisam ser enfrentadas. A agricultura se posiciona no centro dessa crise, e não tem mais condições de se sustentar com o mesmo padrão de desenvolvimento”, destacou.
Ao apresentar os avanços na área da agricultura familiar, sobretudo com o lançamento do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica, o Ministro do Desenvolvimento Agrário, Pepe Vargas, reconheceu que o agronegócio é o modelo de desenvolvimento hegemônico no Brasil. São aproximadamente 75 mil agricultores que se declaram Censo como produtores agroecológicos e orgânicos, só que existem aproximadamente 5,1 milhões de estabelecimentos no Brasil. Segundo ele, ainda assim houve uma grande evolução no crédito na agricultura familiar com uma diminuição de doze para seis vezes na diferença entre os recursos destinados nos últimos anos para o agronegócio e a agroecologia.
“É insustentável manter o planeta com essas formas, e esse imperativo se torna ainda mais dramático com o tema do congresso porque as atuais formas de produção têm um modelo que esgotam os recursos naturais. Nessas últimas décadas tivemos avanços importantes, mas desafios maiores. Quando falamos em agroecologia estamos construindo uma cultura contra hegemônica, porque lamentavelmente essa hegemonia está incrustada em todo o tecido social: na formação dos nossos profissionais nas universidades, na burocracia que toma conta dos órgãos públicos e nos próprios agricultores. Precisamos pensar uma transição agroecológica que permita um número cada vez maior de agricultores produzir de uma forma orgânica”, disse o ministro.
O Plano Nacional de Agroecologia prevê para até 2015 um investimento de mais de R$ 8 bilhões em quatro eixos: produção, conhecimento, uso e conservação dos recursos naturais, fomento à comercialização e consumo. Integra diversos órgãos e políticas do governo visando adequar e aperfeiçoar os programas vigentes na direção da transição agroecológica, afirmou o ministro ponderando que é preciso pressão para sua efetivação e aperfeiçoamento. Vargas ainda defendeu o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) como instrumentos para estimular os agricultores à transição agroecológica, ao contrário dos financiamentos que estimulam a compra dos insumos ligados a revolução verde.
De forma crítica e contundente o governador do Rio Grande do Sul, Tarso Genro (PT), afirmou que a crise atual se concentra no desenvolvimento capitalista que sempre foi e será um modelo que tende, se completa e se acumula de forma predatória. Hoje adquire um estatuto ainda mais violento, uma hegemonia ainda mais intensa sobre os partidos, políticas e os estados porque sua essência de acumulação não respeita as regras de naturalidade e submete os demais poderes, explicou Genro. Ele defendeu que o ideal seria a criação de um Ministério da Agricultura e Sustentabilidade com uma estrutura única para disputa hegemônica dentro do estado democrático.
“Se fosse um problema exclusivamente de consciência, bastaria que tivéssemos um processo comunicacional adequado para reconstituir e valorizar determinados valores na consciência coletiva e mudaríamos o sentido de desenvolvimento. Mas se reflete no estado brasileiro, quando foi criado o MDA reconhecemos ao mesmo tempo a necessidade de uma ambiguidade nas políticas de estado. Do agronegócio com a agricultura familiar, essa dualidade do estado reflete uma disputa pela hegemonia dentro dele que deve ser capilarizada na política de estado. Uma luta de valores na sociedade e reorganização da estrutura estatal para que tenha correspondência na aplicação de políticas de agroecologia não como um departamento no estado. É uma luta essencialmente política que temos de travar”, analisou o governador.
A luta pela agroecologia como forma de produção dominante concentra boas dimensões da utopia, a possibilidade de um mundo melhor, de desenvolvimento sustentável e uma sociedade mais igualitária, disse Genro. Ao concluir disse ainda que isso já é uma realidade com o desenvolvimento de programas e projetos de experimentação, e não uma abstração para um futuro inalcançável. “Estamos iniciando um momento de transição para um novo projeto de sociedade e humanidade, e somente a partir de políticas que vêm do estado é que a agroecologia pode se tornar hegemônica”, disse.
O VIII Congresso Brasileiro de Agroecologia ocorre entre os dias 25 e 28 de novembro, e é uma realização da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) em parceria com várias organizações governamentais e não governamentais. Serão oferecidas cerca de 40 oficinas para os mais de três mil inscritos, além dos oitenta palestrantes, sendo aproximadamente vinte deles de outros países. Dois expoentes na construção da agroecologia no Brasil que faleceram recentemente foram homenageados durante a abertura do evento: José Antônio Costabeber, ex-presidente da ABA, e Jorge Luiz Vivan, profundo conhecedor dos sistemas agroflorestais.