Por Articulação Nacional de Agroecologia (ANA),
A região Amazônica é marcada por sua complexa diversidade. E desde sempre a agroecologia foi utilizada pelos povos e comunidades tradicionais como forma de subsistência na região. Para entender melhor o assunto, conversamos com Tatiana Sá, representante da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) na região norte. Ela também trabalha na Embrapa Amazônia Oriental em Belém (PA), e está na comissão organizadora do IX Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), que será realizado no final de setembro na capital paraense.
A pesquisadora fala sobre a importância da aproximação dos atores sociais envolvidos nos estudos junto ao meio científico, e como a agroecologia tem servido de alternativa ao modelo hegemônico que num curto espaço de tempo está mudando as características da Amazônia. Destaca ainda a importância do movimento agroecológico para a preservação das florestas na região.
Fale sobre as denúncias feitas pelo movimento agroecológico na Amazônia e as alternativas a esse modelo?
A Amazônia traz naturalmente uma diversidade bastante grande relativa à questão ambiental, étnica, social e cultural. Uma variedade de paisagens com presença massiva de floresta primária e secundária, águas e a presença ainda expressiva de povos indígenas e populações tradicionais. Essa realidade já seria bastante rica, mas se olharmos os processos de ocupação nos últimos 50 anos foi multiplicada com questões que podem ser vistas hoje como conflitos sócio ambientais aumentando a diversidade de situações na Amazônia. Se avaliarmos nas três dimensões da agroecologia, tem formas de intervenção extremamente ricas e inovadoras. Inclusive faz repensarmos a lógica da agroecologia para esse universo onde convivem populações quase sem contato com a civilização ocidental e vegetações quase virgens. É muito complexo, ainda mais com mudanças bastante fortes acontecendo num tempo bastante curto.
Dos anos 70 para cá Rondônia é, por exemplo, uma amostra forte dessa intervenção humana. Continua com povos indígenas, extrativistas, ribeirinhos, etc, com vários tipos de cultura ao mesmo tempo que tem uma quebra da memória biocultural da população tem um aporte de outras populações que vêm para aquele espaço. A mesma roldana que está com processos de usinas elétricas, está experimentando outro surto de diferenciações territoriais, conflitos sócio ambientais, que vão se revelando a cada passo das obras. Vão impondo às populações locais desafios enormes que a agroecologia pode pensar em diferentes dimensões.
Outro aspecto a se pensar na região é quais os processos de transição agroecológica técnico produtiva a incentivar, em atividades não meramente agrícolas ou pecuárias, mas extrativismo, pesca, e suas combinações. O grande diferencial para além dos desafios habituais é incorporar e pensar modos de transição agroecológica para essas realidades. Temos que não abandonar o acúmulo que veio de fora, mas traduzir essa diversidade em elementos como os produtos não madeireiros: castanha, açaí, etc. Temos uma possibilidade grande de construir formas de manejo que sejam menos depredadoras, de impacto reduzido, cada espécie terá sua característica. Trazer também elementos da forma da colheita com menor penosidade ao povo, gastando menos energia física deles. Buscando não prescindir de elementos alheios à realidade deles, e vendo qual a melhor forma de organização da produção dentro do estabelecimento dessas pessoas e no seu entorno para ter mais acesso e rendimento econômico na transação. Aproximando com mercados consumidores através de circuitos curtos de comercialização e seguindo sua produção com compras governamentais dando espaço para que esses atores tenham representações dentro das políticas nacionais.
Quais outros temas são prioritários para região?
A questão da água é muito forte, tem um elenco de conflitos sócio ambientais trazendo uma diversidade imensa de situações a serem abordadas. O estado do Pará mesmo é um laboratório pronto para reflexões e ações agroecológicas nas suas múltiplas dimensões. A Usina de Belo Monte na região transamazônica está numa localização que interfere na agricultura familiar assentada nos anos 70 na transamazônica, grande parte em áreas de solo fértil que têm plantado sistemas agroflorestais, a maioria em processos agroecológicos. Nessa área tem pecuária também e uma série de assentamentos de desenvolvimento sustentável, que têm o desafio de explorar da forma menos predatória possível os recursos madeireiros e não madeireiros da floresta. Temos possibilidades de formas de produção com manejo comunitário de impacto reduzido, que é outra forma de transição agroecológica mas tem que formas coerentes de organizá-los para isso.
E como se dá esse diálogo na região?
No espaço de diálogo da agroecologia com o grande público existem dois ambientes nacionais de diálogo, um pela Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), que promove o Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), e pela ABA com o Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA). Pela primeira vez esse Congresso será realizado em território amazônico, então é inevitável que sejam apresentadas propostas de intervenções via processos de transição. Mas com espaços para dar visibilidade às grandes questões ambientais, por exemplo, então esse evento está sendo organizado em três momentos diferenciados para trazer essa realidade em níveis diferentes: denúncias, resistências e proposições. Abrigamos dimensões de caráter sócio ambiental não esquecendo que o evento é nacional. Na associação há essa preocupação sobre essas territorialidades, que se expressa nas vice presidências regionais em busca das grandes prioridades locais. Na Amazônia estamos tentando mobilizar níveis de interesse para tentar representá-los nessas denúncias, resistências e proposições.
Esses atores estarão representados no CBA?
As formas de mobilização estão sendo feitas através das entidades, como a ANA que congrega os movimentos sociais. Nossa primeira preocupação foi trazê-la para construção e disseminação desse evento. Estive no III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) para isso, a ideia é fazer com que a ANA garanta a representação desses grupos nas suas formas de relação, como espaços auto gestionados, mesas redondas, relatos de experiências, etc. A maior diferença dos CBAs para os ENAs está ligada ao público participante, e os CBAs não podem deixar de fora uma parte relacionada ao tipo de construção do conhecimento da área acadêmica. Ou seja, espaços que tenham oportunidade de avanços do conhecimento técnico produtivo, debates dessa natureza, mas sem deixar de trazer elementos intermediários da nossa relação com políticas públicas, os avanços estão ocorrendo, sua relação com o segmento produtivo e formulador e oportunidades de intercâmbio de experiências de caráter transdisciplinar.