“A escola sem partido interdita o futuro da juventude”, alerta Gaudêncio Frigoto

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Gaudêncio Frigoto é doutor em Educação pela PUC-SP e professor titular aposentado na UFF. Foto: Rafaele Gonçalves da Silva/Comunicação SNEA.

A advertência do filósofo e educador ocorreu nesta manhã, na mesa “Primeiras Palavras”: Resistências e Lutas por Democracia, durante a abertura do II Seminário Nacional de Educação em Agroecologia, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Frigoto é discípulo do educador Paulo Freire, atua em parceria com movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e doutor em Educação pela PUC-SP e professor titular aposentado na UFF.

Preocupado com o futuro da juventude, ele criticou o movimento escola sem partido e a votação da PEC, realizada hoje, que, segundo ele, proíbe os professores de pensar com os alunos e lhes torna funcionários das apostilas. Por isso, observa o professor, o Paulo Feire é o ícone das críticas desse movimento que pretende interditar e violentar as próximas gerações.

“Não é só congelar investimento em educação, saúde e cultura, mas também o salário mínimo.Na minha universidade o meu reitor foi intimado pelo Ministério Público por não poder fazer política na universidade, isso é nos condenar a não pensar. Retroagir ao mundo primevo.É no ensino médio onde conquistamos ou não a dupla travessia, a de ver o mundo e não ser guiado pela máquina de moer cérebros da mídia hegemônica”, disse.

O seminário ganha uma enorme importância nesse momento em que não podemos ter medo e precisamos ter coragem de enfrentar.A agroecologia tem que convencer mentes e corações do campo e da cidade afirmando que somos homens da natureza, acrescentou. Em referência ao pensador Karl Marx, Gaudêncio explicou a relação do trabalho como uma atividade vital dos seres humanos com a natureza.

“Trabalho não é sinônimo de escravidão e compra e venda de trabalho, existe uma relação necessária entre nós e a água, a terra, o ar e a vida. Outra questão é a propriedade, a grande mensagem da reforma agrária popular é a do bem viver, daqueles que querem ter possibilidade de futuro. Temos de fazer com que os agricultores não só não comam com veneno, mas também não produzam”, ressaltou.

Em relação à educação, o educador criticou a visão de competição e a busca do consumismo, que vem do cientificismo ocidental. Com o objetivo de um progresso sem fim, a educação do capital sustenta um sistema em permanente desequilíbrio que é impraticável no longo prazo.

“Defendem um ranking do mais e menos capaz sem uma perspectiva da emancipação e solidariedade que preserve a vida. Os teóricos da escola pública dizem que de alguma forma somos competidores e assim gera o progresso, e olha o que a reforma agora faz tirando arte, história e outros elementos. Mészáros fala sobre a produção destrutiva da água, do meio ambiente e bases da vida, esse é o contraponto que a escola sem partido interdita o futuro da juventude”, criticou.

A ideia iluminista, que norteia a visão contemporânea de educação, desconhecia a sociedade do capital sobre a vida. Diziam que a educação e a ciência libertariam o homem das misérias e da fome, mas hoje temos a possibilidade de alimentar 8 bilhões de pessoas, um bilhão a mais do que os habitantes da terra, mas morre um criança por segundo no mundo.

“A ministra Kátia Abreu dizia que o agronegócio alimenta o mundo, mas a produção do capital não vai onde tem a necessidade e sim onde tem o maior lucro. Somos o maior exportador de proteína do mundo. Lula dizia que a maior tarefa era ter três refeições na mesa das famílias, mas onde está a soberania alimentar com alimentos envenenados? O produtor não pode ser refém da cadeia do capital, veja a inversão que estamos fazendo, se a humanidade quiser ter futuro precisa pensar nas sementes não modificadas. Não é ser contra a ciência e a tecnologia, mas elas têm que ser a favor da vida”, ressaltou.

Ao criticar o argumento do agronegócio de que o produtor não pode produzir em grande escala, o filósofo lembrou que se tivéssemos feito uma reforma agrária com justiça social e orientação agroeocológica não haveria esse ajuntamento desumano nas cidades. “Teríamos alimentos para todos e com qualidade. Quantidade não se contrapõe à qualidade, e a ciência e a tecnologia são usadas hoje para mutilar membros e sentidos humanos”, acrescentou.

O desafio atual, segundo ele, é fazer uma pesquisa e uma educação pressupondo uma concepção de vida com um método eficaz para compreendê-la. Geralmente temos um pacotão para aceitarmos o que foi escrito, como no caso de afirmarem que somos uma nação europeia embora nosso povo seja composto muito mais por negros trazidos da África, complementou.

“Querem que a gente ensine o que lhes interessa, fazer idiotizados. O idiota do grego quer dizer aquele que só quer o bem privado, quer só o bem dele e é contra o público. Fomos golpeados por idiotas para nos idiotizar. Entender o real é historicizar como o real se reproduz, nada é natural, tudo é histórico. A ideologia é uma materialidade, a religião é social mas a fé não. Por isso não pode influenciar a religião na escola, o conhecimento tem que nos ajudar para entender porque isso está ocorrendo”, afirmou.

Quanto à democracia, o professor defende o aprendizado entre gerações, os professores e pais devem também aprender com os alunos e filhos para gerar uma síntese do que percebemos no nosso tempo. “A classe popular tem pressa, estão querendo tirar a capacidade dela fazer a crítica a esse sistema.As gerações precisam se educar e a reforma do ensino quer interromper isso. Não podemos ter medo, e também não ser ingênuo. Uma mudança que altera de fato a realidade implica não só falar pequenas verdades a movimentos populares, é preciso estar e desenvolver com as grandes massas a pensar com elas. Para eles terem animo, vontade política e organização para poder mudar”, concluiu.

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