ABA-Agroecologia quer ampliar diálogo entre saberes e fortalecer vínculo com pessoas associadas, diz José Nunes

José Nunes durante o Ato do Dia Mundial da Alimentação no 13º CBA, em Juazeiro (BA). Foto: Manuela Cavadas

 

Reeleito para o biênio 2026-2027, presidente da Associação destaca necessidade de ampliar a produção de conhecimento e manter a atuação política em defesa da agroecologia.

Reconduzido à presidência da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), o professor José Nunes da Silva, da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), afirma que a nova gestão vai priorizar o fortalecimento da participação das associadas e associados e a ampliação do diálogo entre diferentes formas de conhecimento.

Segundo ele, o objetivo é posicionar a instituição para além da realização do Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), já que a ABA-Agroecologia também atua na produção e divulgação de conhecimento sobre agroecologia, na formulação e no monitoramento de políticas públicas em diferentes instâncias, e na realização de encontros e eventos, como o Encontro Nacional dos Núcleos de Estudos em Agroecologia. Além disso, ela pode atuar no investimento em pesquisas, na promoção de eventos regionais e na comunicação contínua com a base. Nunes também reforça o papel da entidade no enfrentamento às mudanças climáticas, com a defesa de uma ciência crítica e comprometida com a transição agroecológica em todos os espaços brasileiros.

Confira a entrevista:

1) Professor José Nunes, o senhor foi reconduzido à presidência da ABA-Agroecologia. Quais serão as principais prioridades e desafios dessa nova gestão?

Para nós, como coletivo que assumimos nesta recondução da gestão da ABA-Agroecologia, a prioridade é aumentar a proximidade com as pessoas associadas, construindo conhecimento agroecológico juntas. Para isso, pensamos na realização de estudos e pesquisas coordenados pelas vice-presidências regionais, reunindo representantes de Grupos de Trabalho (GTs), Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs) e associadas e associados de cada região do Brasil, promovendo reflexões sobre temas importantes e contextualizados em cada território. Nessa perspectiva de se aproximar mais das/os associadas/os, é importante investir em eventos menores, nas regiões, contextualizando o debate sobre o conhecimento agroecológico e visibilizando mais as construções locais. É fundamental ainda manter a incidência política nos conselhos e comissões governamentais, onde o debate sobre agroecologia acontece no âmbito nacional. Para que as pessoas associadas tomem ciência do nosso cotidiano e busquem, cada vez mais, participar e construir essas ações, serão enviados informativos e boletins periódicos e atualizados com as principais novidades da Associação.

2) O senhor mencionou a importância de que o ponto alto da ABA-Agroecologia não seja apenas o Congresso, mas também a produção de conhecimento e o posicionamento sobre temas atuais. Que ações estão previstas nesse sentido?

Aqui reforço a importância de a ABA-Agroecologia protagonizar processos de construção coletiva do conhecimento agroecológico. Potencializar os diálogos de conhecimentos, posicionando a agroecologia como uma ciência fundada no encontro de ciências. A sociedade brasileira espera posicionamentos nossos sobre diferentes temas, como o enfrentamento aos agrotóxicos e aos transgênicos, o advento dos bioinsumos, a demarcação das terras indígenas e tradicionais como centrais para manter a vida no planeta em todos os sentidos, etc. As nossas reflexões e posicionamentos enquanto associação já circulam amplamente na Revista Brasileira de Agroecologia e nos Cadernos de Agroecologia, que são nossos canais de comunicação científica, e alimentam debates na sociedade, nas academias e nos movimentos sociais. Nesse sentido, os CBAs ou mesmo outros eventos regionalizados têm que ser encarados como culminâncias de processos de construção dos conhecimentos agroecológicos, como têm sido, mas propomos colocar mais fôlego nessas construções que os antecedem.

3) A ABA-Agroecologia completou 21 anos e se consolidou como referência nacional em agroecologia. Que balanço o senhor faz dessa trajetória e o que ainda precisa avançar?

A ABA-Agroecologia já nasceu avançada, considerando a noção de ciência hegemônica vigente até hoje nos centros de pesquisa e construção do conhecimento. No entanto, nunca deixou de avançar. Talvez o maior desafio que nos impulsiona a seguir avançando é colocar em prática o que está “dito”. É diminuir, como nos ensinou Paulo Freire, a distância entre o discurso e a prática. É o desafio, por exemplo, de fazer-se uma pessoa pesquisadora despindo-se de qualquer concepção de ciência neutra. É se colocar sempre a serviço do fortalecimento de uma ciência crítica, que contribua com o desenvolvimento dos territórios agroecológicos. Para a gente, esse princípio significa construir conhecimento pautado num diálogo horizontal com as demais ciências – não só acadêmicas, mas também com as ciências indígenas, de comunidades tradicionais, de quilombos, de pessoas  de terreiros, pescadoras, sem-terra, ciganas, agricultoras e suas múltiplas identidades. É nisso que seguimos avançando, é isso que está na gênese de nossa Associação.

4) O 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia foi marcado por uma forte presença de movimentos sociais e diversidade de saberes. Que lições e direções esse encontro deixou para o futuro da agroecologia no país?

Não se constrói conhecimento agroecológico sem o encontro, a troca e a valorização da diversidade dos conhecimentos. Esse encontro só se efetiva quando as pessoas de diferentes gêneros, raças e origens, se reúnem para dialogar, mediadas pelo mundo e pela oportunidade de dizer a palavra, como nos falava Freire, num exercício de igualdade de oportunidades para que a expressão de diferentes ciências aconteça de forma plena.
É essa a lição principal que o jeito de fazer CBA tem nos ensinado. A cada dois anos, durante quatro dias, presenciamos a circulação de diferentes conhecimentos em todos os espaços co Congresso, como nas feiras, no FICAECO (o festival de cinema), no FACA (o festival de arte e cultura), nos Tapiris de Saberes, nos atos públicos, na Tenda da Saúde, Cuidado e Cura, na tenda Rachel Carson, na Ciranda Infantil, nos lançamentos de livros, na Cozinha Agroecológica, na Cozinha das Tradições. No CBA os saberes se encontram, dialogam, somam e constroem um conhecimento novo, que chamamos de conhecimento agroecológico!

5) A diretoria é formada por representantes de todas as regiões e diferentes instituições. Como essa diversidade contribui para fortalecer a agroecologia brasileira?

Desde a sua fundação, a estrutura da ABA-Agroecologia é organizada a partir da eleição de vices-presidências regionais. Essa escolha objetiva aumentar a capilaridade nas regiões do Brasil. No entanto, esse desafio é imenso, pois somos um país continental. Compreendendo essa realidade, é fundamental que atualizemos nosso mapeamento de pessoas associadas, buscando localizar cada uma delas e identificando qual é a sua atuação no território, com o objetivo de fortalecer atividades coletivas mais regionalizadas. Pensando nesse desafio, desde o 12º CBA, realizado no Rio de Janeiro em 2023, temos indicado pessoas que estamos chamando de co-vices regionais. Esse cargo não existe no estatuto da Associação, mas estamos experimentando essa nomeação com o objetivo de trabalhar em dupla, em cada região, visando fortalecer a nossa presença em todo o Brasil.

6) A agroecologia ganha cada vez mais espaço nas políticas públicas, mas ainda enfrenta resistências. Como a ABA-Agroecologia pretende dialogar com o governo e com a sociedade para ampliar esse reconhecimento?

A ABA-Agroecologia seguirá ocupando os espaços de participação social destinados à formulação, elaboração, monitoramento, avaliação e sistematização de políticas públicas no campo da agroecologia e todas as suas interfaces. Para nós, é fundamental seguir participando da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), Câmara Técnica do Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável e Solidário (CONDRAF), Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), dentre outros.

7) Como a Associação pode contribuir para fortalecer políticas públicas estratégicas, como o PAA, o PNAE, o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (PNAAB)?

A ABA-Agroecologia contribuirá cada vez mais com o debate sobre os diferentes planos nacionais e as diversas políticas públicas que tratam da agroecologia e suas interfaces, na medida em que formulamos subsídios qualificados que apoiem a tomada de decisão da sociedade e de gestoras e gestores públicos. Por isso, é necessário participar dos fóruns de discussão, onde as ideias da Associação se expressam a partir dos discursos e posições de seus representantes, mas também por meio dos diferentes grupos qualificados de pessoas associadas à ABA, para refletir, elaborar e publicar conhecimento agroecológico que subsidie a disputa de concepções vivenciada na sociedade brasileira e, consequentemente, nesses espaços de debate sobre as políticas públicas, onde estamos presentes e ativos.

8) De que maneira a ABA-Agroecologia pretende incentivar a participação de nações indígenas, comunidades quilombolas, mulheres e juventudes na construção da agroecologia?

Os conhecimentos ancestrais e tradicionais preservados por nações indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, unidos com os conhecimentos contemporâneos – com destaque para aqueles construídos pelas mulheres e pelas juventudes – são imprescindíveis para a construção do conhecimento agroecológico. Afinal, o conhecimento agroecológico se pauta no encontro do conhecimento acadêmico com outros conhecimentos. Para isso, devemos seguir apostando no encontro das ciências, onde todas as pessoas possam participar dos espaços de diálogos nas mesmas condições. Na prática, isso se reflete em iniciativas para que essas pessoas sejam isentas de inscrições nos eventos, buscando cobrir também o deslocamento, a alimentação e a hospedagem. Essa horizontalidade de participação tem como objetivo  potencializar as formas de circulação desses conhecimentos. Esse desafio metodológico vem sendo enfrentado de dois modos. Um deles é abrir os Tapiris de Saberes, que é um espaço de circulação de conhecimentos, para outras formas de socialização de trabalhos, para além da escrita, dos banners e dos papers. Nós já trabalhamos com vídeos, que mostram relatos populares de diferentes localidades, e pensamos em implementar o acolhimento e o uso de podcasts, como expressão de conhecimentos orais. Outro modo é compreender que esse conhecimento circulante, por exemplo, nos CBAs, não se concentre somente no espaço dos Tapiris, mas está nos diferentes espaços, que se tornam, no conjunto, espaços de construção coletiva de conhecimentos.

Assista aos vídeos de relatos de experiências populares no 12º CBA

9) A comunicação tem se tornado uma ferramenta essencial para visibilizar experiências e pautas do campo agroecológico. A ABA-Agroecologia planeja ampliar sua atuação nessa área?

A disputa pela construção da agroecologia no Brasil e no mundo é também uma disputa de narrativas sobre mundos possíveis. Nesse sentido, torna-se fundamental o investimento crescente para aprimorar as estratégias de comunicação da ABA-Agroecologia – seja ocupando com mais qualidade as redes sociais, seja na comunicação direta com as pessoas associadas. Por outro lado, é fundamental seguir qualificando a Revista Brasileira de Agroecologia e os Cadernos de Agroecologia como parte das estratégias de comunicação científica que divulgam nosso pensamento sobre agroecologia, mas também a ampla produção sobre o tema existente no Brasil e na América Latina.

10) O que significa, pessoalmente, liderar novamente a ABA-Agroecologia neste momento em que o Brasil volta a debater segurança alimentar, clima e transição agroecológica?

Liderar novamente a ABA-Agroecologia nessa gestão 2026-2027 significa um prazeroso desafio. Primeiro porque minha militância me ensinou que essa é uma escolha coletiva. A escolha do meu nome, mais uma vez, não foi uma escolha pessoal. Eu tenho um grupo grande e diverso, que me dá suporte em todos os momentos da gestão, formado por companheiras e companheiros que constroem a ABA desde a sua criação. Nessa nova gestão, trouxemos mulheres e homens que estão pela primeira vez na direção da Associação, mas não tenho dúvidas de que todas as pessoas que chegaram são comprometidas com a construção da ABA-Agroecologia e de um mundo melhor. Para garantir esse mundo melhor, vamos fortalecer uma ciência crítica que contribua para o enfrentamento das causas das mudanças climáticas, defendendo a justiça climática, com comida de verdade na mesa de todas as pessoas e com o fim de todas as formas de opressão. Estar nessa liderança da ABA hoje reforça um aprendizado pessoal inspirado num provérbio africano que diz: “Se quer ir rápido, vá sozinho; se quer ir longe, vá em grupo”. Vida longa à ABA-Agroecologia, e que possamos ir muito longe! “Não mexe comigo, que eu não ando só.”

José Nunes é agrônomo, doutor em Sociologia pela UFPE e professor associado do Departamento de Educação da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). É membro do Núcleo de Agroecologia e Campesinato e da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da mesma universidade. Atualmente, é presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia).

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