Conviver com os territórios: a agroecologia que povoa o Brasil

Ato público realizado no dia 16 de outubro, Dia Mundial da Alimentção, durante o 13º CBA, que teve público total de 8 mil pessoas na cidade de Juazeiro da Bahia. Foto: Manuela Cavadas.

CARTA DO SEMIÁRIDO BRASILEIRO | JUAZEIRO (BA) – OUTUBRO DE 2025

Carta Política | 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia – CBA

O Semiárido brasileiro recebeu, nos dias 15 a 18 de outubro de 2025, o 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia, no Campus Juazeiro da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), na cidade de Juazeiro (BA), com o lema “Agroecologia, Convivência com os Territórios Brasileiros e Justiça Climática”. Às margens do Opará (o Rio São Francisco) e organizado a partir de 19 eixos temáticos, o Congresso acolheu 2.732 resumos técnico-científicos, relatos de experiências técnicas e relatos populares. Foram 124 atividades autogestionadas, 6 plenárias temáticas, 8 painéis conjuntos, além de atos públicos e programações artístico-culturais ao longo dos quatro dias.

Realizado em uma universidade pública com forte atuação no Semiárido, o CBA constituiu-se como espaço de diálogo e convivência entre as mais de 6.000 pessoas inscritas, entre pesquisadoras e pesquisadores, estudantes, técnicas e técnicos, militantes dos movimentos sociais, agricultoras e agricultores, indígenas, quilombolas, extrativistas, pescadoras e pescadores artesanais, cozinheiras e cozinheiros, representantes de redes e articulações da sociedade civil e muito mais. Nesse encontro de ciências, o conhecimento agroecológico se fez presente nas mais diferentes linguagens e formas de expressão.

A agroecologia se expandiu para além do espaço da universidade, ao navegar no Rio São Francisco e enfeitar os barcos com seus dizeres. Na ponte iluminada, a agroecologia comunicou que “democracia forte é país alimentado”. As pessoas participantes foram recebidas pela potência das populações que trabalham e vivem no Semiárido, território diverso em suas expressões de afeto e resistência, materializadas nas práticas cotidianas das pessoas camponesas, agricultoras familiares e pertencentes a povos e comunidades tradicionais, historicamente ameaçadas pela mineração, pela derrubada da Caatinga, pela concentração e usurpação de terras e pelos megaprojetos de energia eólica e fazendas solares. Esses empreendimentos violam a autonomia e a integridade do território e as reflexões produzidas no CBA reforçam o lema: “Energias renováveis sim, mas não assim”.

A força sertaneja está no acúmulo de aprendizados de resistência e resiliência: a convivência com o Semiárido, frente à lógica conservadora e excludente do combate à seca, mostra que o caminho está no viver junto, na adaptação às condições climáticas e na agroecologia como pedagogia de vida. O saber das árvores que descansam no período de estiagem e recuperam suas folhas e cores com a chegada das chuvas nos serve de inspiração.

Nos encontros de culturas e místicas com a criatividade das inovações camponesas – como as cisternas de placa e o recaatingamento – os conhecimentos partilhados fortaleceram a construção do Bem-Viver. A experiência das organizações do Semiárido reforça a agroecologia como uma ciência dos lugares, que precisa estar ancorada em inovações e saberes contextualizados, interconectados e articulados em redes. O 13º CBA reforçou que as políticas de ciência e tecnologia devem considerar os acúmulos já existentes, não apenas nos territórios, mas nos fazeres de diversos grupos e organizações de pesquisa que já trabalham nessa perspectiva. Sabemos que a convivência com os territórios e a agroecologia não são dádivas, são conquistas coletivas que exigem vigilância e luta. Por isso, todo o Congresso repetiu em uma só voz: “É nos territórios que a vida pulsa, é nos territórios que o povo resiste”.

O 13º CBA acontece no ano em que o Brasil recebe a 30º Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP 30). Por isso, entendemos a importância de nos somarmos aos movimentos sociais e organizações da sociedade civil que estão construindo a Cúpula dos Povos como espaço paralelo, crítico e autogestionado afirmando: “Da Amazônia para o mundo: basta de desigualdade e racismo ambiental, justiça climática já!”. A crise civilizatória, que integra dimensões ambiental, social, econômica, cultural e política, tem sua raiz em um modelo que subjuga a natureza como recurso inesgotável, transformando a terra, as águas, as sementes e a vida em mercadorias.

O neoextrativismo e a financeirização da natureza, novas faces do capitalismo agrário, expandem as fronteiras de expropriação da terra e dos bens comuns e de exploração dos povos, como um evidente legado colonial marcado pela concentração fundiária, pela dependência econômica e produtiva e por desigualdades interseccionais de classe, raça e gênero. Como resposta ao aprofundamento da crise gerada por esse modelo, seus maiores beneficiários apresentam falsas soluções. Sob a retórica da economia verde, aposta-se em mega-empreendimentos de energias renováveis, o mercado de carbono, a mineração para transição e a promessa de um agronegócio regenerativo.

O Congresso denuncia como esses empreendimentos ditos renováveis ameaçam diretamente os povos do campo, das florestas e das águas, seus territórios e suas diversas formas de vida, ao transferir para empresas (majoritariamente estrangeiras) o seu controle. Afirma também que a agricultura de base agroecológica é capaz de produzir alimentos saudáveis e adequados para toda a sociedade, preservando a terra, a água e a biodiversidade como bens comuns, ao mesmo tempo em que os conserva. A agroecologia também foi apresentada como solução real para uma transição ecológica justa, popular e inclusiva, que reconheça os direitos à terra, ao território e à soberania dos povos, com propostas de geração de energia descentralizadas e de soberania alimentar e energética. A agroecologia nos territórios é ancestral e um projeto de futuro que está intimamente relacionado aos modos de viver e conhecer de suas populações. E todas as pessoas aprendem juntas: “Não estamos na natureza, somos natureza. Não estamos no território, somos território!”

Os debates sobre as instituições científicas denunciaram os modos dominantes de produção do conhecimento científico e suas conexões com poderosos atores econômicos. Esse saber hegemônico, sem pretensões universalizantes e marcado por diferentes expressões e colonialidades, nega e invisibiliza outros sistemas de conhecimentos. O CBA segue aprofundando este importante debate, na busca de uma ciência crítica que reconhece, celebra e dialoga com as diferentes formas de produção de conhecimento. Tivemos, neste Congresso, um Painel específico para tratar da construção de metodologias de pesquisa com base em princípios de interculturalidade. Várias foram as experiências apresentadas por pesquisadoras e pesquisadores, técnicos e técnicas, que têm se engajado em estudos colaborativos a partir de metodologias sensíveis, que cultivam laços de confiança, respeitam e valorizam os conhecimentos e saberes das comunidades e da diversidade de povos. Dando continuidade aos CBAs anteriores, avançamos metodologicamente na realização de um Congresso que promove um ambiente favorável à ecologia de saberes, superando a colonialidade do saber.

Os conhecimentos populares, hoje ameaçados por diferentes dispositivos de apropriação jurídica e comercial a serviço das grandes corporações empresariais, constituem-se como um bem coletivo responsável pela persistência da biodiversidade nos territórios. Produzidos e socializados em redes colaborativas de âmbito territorial, esses conhecimentos salvaguardam a agrobiodiversidade e a soberania alimentar. Sementes crioulas, localmente adaptadas, estão diretamente associadas à capacidade de reprodução dos modos de vida e da diversidade biológica nos territórios. As ameaças a essas sementes se manifestam a partir do uso das biotecnologias desenvolvidas pelas grandes corporações, pela apropriação de dados e conhecimentos pelas plataformas digitais controladas pelas empresas do agronegócio, pela pulverização aérea de agrotóxicos por meio de drones e pela criação intensiva de animais apoiados muitas vezes por programas governamentais. A valorização dos processos ecossistêmicos e da biodiversidade não podem ser, em nome de uma racionalidade instrumental, justificativa para estratégias que fragilizam ainda mais a autonomia daqueles e daquelas que atuam historicamente como seus e suas guardiãs. Ainda, a valoração econômica dos ecossistemas amplifica a financeirização da natureza sem qualquer evidência acerca de benefícios ambientais e sociais decorrentes.

Os sistemas agroalimentares convencionais são o principal vetor das mudanças climáticas no Brasil. A agroecologia propõe mudança de paradigma que transforme a inter-relação entre produção, comercialização, beneficiamento, consumo, tendo como princípio o cuidado com o ambiente, rompendo com a monotonia pautada em commodities para transação em bolsas de valores e exportação. Em nosso Congresso, a alimentação agroecológica teve centralidade no processo de debate e organização. A Cozinha Dandara dos Palmares foi construída a muitas mãos, tendo à frente deste processo o Movimento dos Pequenos Agricultores/Agricultoras (MPA), a Rede Povos da Mata e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). No 13º CBA, as diferentes atividades relacionadas à alimentação envolveram uma equipe de 80 mulheres e homens vindos dos estados da Bahia, Sergipe, Pernambuco, Piauí e Santa Catarina. Nossa Cozinha articulou, produziu e serviu 22 mil refeições com um rico cardápio composto por 52 produtos agroecológicos e orgânicos (macarrão de aipim, cocada de licuri, galinha caipira, suco de umbu, entre outros). Ao todo foram 30 toneladas de alimentos, compostas por 32 alimentos certificados como orgânicos. Essa construção se deu a partir da Modalidade PAA Compra Direta, em parceria com a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), tendo a Central da Caatinga como fornecedora e o Programa Bahia Sem Fome como recebedora destes alimentos.

A experiência de alimentação no CBA reforça a capacidade das organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais em articular o campo e a cidade, as cozinhas e os roçados e de apontar caminhos para a soberania e segurança alimentar. Celebramos a saída recente do Brasil do Mapa da Fome, que contou com a ação conjunta de instâncias públicas e da sociedade civil, mas reforçamos que são necessárias condições estruturais para que a segurança alimentar e nutricional seja soberana e não fruto de políticas emergenciais. É urgente implementar a Política Nacional de Abastecimento Alimentar (PNAAB), por meio do Plano Nacional de Abastecimento Alimentar “Alimento no Prato”, recentemente aprovado como resultado da pressão popular e dos movimentos sociais de base agroecológica. Ainda, é urgente e a necessária a ampliação do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), a garantia de acesso ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) por parte das agriculturas familiares em sua diversidade, o fortalecimento de iniciativas como a Mesa Permanente de Diálogos Catrapovos e a implementação do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO). São essas as políticas que asseguram que o alimento de qualidade chegue à mesa de toda a população brasileira, inclusive das famílias chefiadas por mulheres negras nas periferias das cidades. Também é essencial a implementação e o fortalecimento institucional da Política Nacional de Agricultura Urbana e Perirubana (PNAUP), com o efetivo envolvimento dos movimentos urbanos de agroecologia e sujeitos da política pública na construção dos princípios de sua execução.

Reforçamos políticas importantes como o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) e o Programa Ecoforte. No caso do Pronara, reiteramos que o Comitê Interministerial entregou o quanto antes as ações previstas no programa. É necessário admitir a importância de uma ciência crítica e cidadã produtora de um amplo conjunto de evidências dos graves efeitos do uso de agrotóxicos sobre os territórios e seus povos. Contudo, há um descomprometimento político no reconhecimento dessas produções, resultado da pressão do setor do agronegócio sobre o conhecimento e sobre as políticas públicas, aliado a um grande entrave aos subsídios de novas pesquisas, especialmente as de médio e longo prazos.

O 13º CBA contou com um vasto repertório de experimentações inovadoras desenvolvidas pelos praticantes da agroecologia que se somam às práticas tradicionais fundamentadas nos conhecimentos ancestrais. Essas iniciativas são atravessadas, no entanto, por profundas contradições que se destacam pela aceleração dos processos de apropriação da terra pelo capital que expande suas fronteiras e destrói os territórios de vida e trabalho. A reforma agrária, a regularização dos territórios tradicionais e a demarcação das terras indígenas são ações urgentes e prioritárias para superar a crise climática e para a transformação do sistema alimentar brasileiro.

Reconhecemos a importância do Programa Nacional de Pesquisa e Inovação na Agricultura Familiar (PNPIAF) como instrumento estratégico para consolidar a agroecologia e a convivência com os territórios como fundamentos de um novo paradigma científico e produtivo no campo brasileiro. O PNPIAF representa o compromisso do Estado com a coprodução de conhecimentos entre agricultoras/es, povos e instituições públicas e fortalece as redes sociotécnicas de experimentação camponesa que há décadas constroem inovações em bases solidárias e sustentáveis, mas que precisam “sair do papel”. A efetivação dessa política exige financiamento público estável, descentralizado e de longo prazo, que assegure as condições reais para que universidades, organizações sociais e movimentos populares desenvolvam ações conjuntas de sistematização de experiências, pesquisa, formação e aperfeiçoamento coletivo das inovações. Somente com recursos públicos consistentes e gestão participativa será possível ampliar as inovações e a produção de conhecimentos enraizados nos territórios e garantir que a ciência sirva à vida, à soberania alimentar e à justiça climática.

As ações públicas de ciência e inovação devem estar associadas à ampliação e ao fortalecimento das políticas de educação, comunicação e pesquisa existentes principalmente nas universidades públicas, nos Institutos Federais e nas escolas rurais. Esses espaços e instituições são essenciais não apenas para a soberania nacional e a garantia do pacto democrático, mas também para a construção e o aprofundamento contínuo do conhecimento agroecológico. O encontro dos Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs) reuniu mais de 40 NEAs, 100 pessoas e dois Ministérios e reafirmou a importância dos NEAs para a construção do conhecimento agroecológico. O encontrou reiterou a importância dos cursos de graduação e programas de pós-graduação em agroecologia na formação de técnicos/as, pesquisadores/as, agricultores/as. No entanto, os NEAs e os cursos têm resistido com frequência sem recursos para o seu desenvolvimento contínuo, sendo necessária a ampliação de orçamento destinados para a sua promoção.

Para que todas as políticas públicas que chegam aos territórios é fundamental o compromisso dos governos com a agroecologia e para isso é necessário o fortalecimento e a escuta efetiva das instâncias de participação social como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA) e a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), que tem feito uma estratégia articulada de diálogo e incidência política. Referendamos aqui a Carta Aberta do CONDRAF contra o acordo de cooperação técnica (ACT) nº 22/2025 entre o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural.

As feministas da agroecologia em toda a diversidade de identidades de mulheres, pescadoras, marisqueiras, de povos de terreiro, de fecho e fundo de pasto, indígenas, quilombolas, agricultoras familiares, camponesas, técnicas, professoras, estudantes, catadoras de material reciclável, regidas por cantos, rezas e poesias, denunciaram como as empresas de energia eólica, mineração e pesca industrial, assim como a pulverização aérea de agrotóxicos, incluindo os drones, têm ameaçado suas produções, relações e vidas. Frente a isso, elas mostraram toda a energia e a alegria de luta com a qual tem construído a agroecologia a partir dos seus modos de vida tradicionais, na produção de alimentos saudáveis, na garantia da soberania e segurança alimentar e nutricional, especialmente nos quintais agroecológicos das mulheres. O CBA reconhece a importância das abordagens e metodologias feministas na construção do conhecimento agroecológico e apoia a luta das mulheres contra o assédio e o racismo nas universidades. É necessário apoiar a carreira científica de pesquisadoras mulheres, indígenas e negras e o quadro das instituições de pesquisa deve refletir a diversidade da realidade brasileira.

Pela agroecologia feminista e antirracista, as mulheres afirmam a centralidade do cuidado para a reprodução social, na busca histórica por visibilização, valorização e compartilhamento dos trabalhos domésticos e de cuidados para o bem viver, a convivência com os territórios e a justiça climática. Com seus lenços e bandeiras, as mulheres vocalizam a importância da Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Por isso seguimos afirmando que “Sem feminismo não há agroecologia”, “Se tem racismo não tem agroecologia” e “Se tem LGBTfobia não tem agroecologia”. A Ciranda Infantil Ana Primavesi foi um espaço fundamental para possibilitar a participação das mulheres no Congresso, mas foi especialmente importante para cuidar, acolher, ouvir e educar as crianças sobre os temas debatidos no encontro, envolvendo 69 crianças, 22 educadoras/es, 56 monitoras/es e 25 atividades.

As juventudes mostraram que estão nas lutas, nas ruas, no campo, nas cidades, não apenas produzindo alimentos de qualidade, mas construindo a agroecologia em coletividade para uma consciência política de que as juventudes são potencialidades que se enraizaram com sua ancestralidade. Os/as jovens contribuem para a transformação concreta das realidades, a partir de experiências inspiradoras nas escolas, nas universidades, nos Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs), nos movimentos, nas redes, nas ruas e nos roçados. Entretanto, as pautas da/para as juventudes exigem soberania nacional e projeto político de autoafirmação e pertencimento, que promova o acesso à terra e aos territórios, a reforma agrária, a educação contextualizada, o direito dos jovens permanecerem no campo se assim o quiserem, o direito à conectividade efetiva com a terra e a compreensão de que os alimentos são direitos e não mercadorias. Para isso, as juventudes cobraram orçamento e condições reais de implementação de políticas públicas para melhoria de vidas nos diversos territórios e reivindicam que a universidade reconheça suas vivências, que a assistência técnica e a extensão rural dialoguem com todas as gerações para que as juventudes sejam protagonistas de suas ações ontem, hoje e amanhã. Uma vez que, a juventude que ousa lutar segue construindo o poder popular, deve se criar condições para que a autonomia e a convivência com os territórios seja consciente e potente!

Os povos indígenas marcaram sua presença no Congresso, não apenas com o intuito de dar contornos à sua visibilidade, mas principalmente para propor e construir caminhos para as pautas e lutas cotidianas. O 13º CBA foi a segunda edição do Congresso com espaços oficiais para deliberações indígenas, o que fortaleceu o diálogo entre as expressões do conhecimento acadêmico, da ciência indígena, do conhecimento ancestral e de suas cosmovisões. O etnoconhecimento em sua diversidade e especificidades se afirmou como abordagem legítima e urgente para o enfrentamento das injustiças climáticas. Suas reivindicações não se alinharam à troca, mas ao compartilhamento de suas ciências. A partir de seus conhecimentos e ciências, os povos indígena afirmaram que: as respostas à emergência do clima não devem passar pela implantação de empreendimentos e o desenvolvimento de instrumentos de mercados que agravam as violências impostas historicamente aos modos de vida tradicionais. A demarcação de terras é a resposta unânime e convergente para a salvaguarda das dimensões culturais, sociais, ecológicas e espirituais dos povos originários.

As práticas fartamente denunciadas de desmatamento, invasão e grilagem de terras, assim como o uso deliberado de agrotóxicos e a instalação de garimpos resultam na contaminação dos rios, na perda de sociobiodiversidade e no adoecimento de suas formas de vida. De maneira inversa, os povos indígenas, como o conhecimento e as práticas ancestrais, atuam como guardiões das florestas e do bem-viver em contraposição às relações de dominação e assimetria instituídas no território brasileiro por meio das dinâmicas coloniais ainda vigentes no país. Cabe à sociedade brasileira e ao poder público reconhecer e fortalecer as tecnologias dos povos originários, construídas em processos coletivos concretos nas suas múltiplas territorialidades, como soluções viáveis para o enfrentamento ao colapso climático. A urgente demarcação de terras deve ser acompanhada da promoção de políticas públicas acessíveis e que protagonizam a ciência indígena.

As pessoas idosas, pela primeira vez no CBA, tiveram um encontro específico, organizado a partir da compreensão de que são sujeitos que precisam ser reconhecidos na agroecologia. Em suas reflexões coletivas, o processo de envelhecimento foi afirmado como parte fundamental da vida que deve vir acompanhado do reconhecimento da importância da ancestralidade e da sabedoria construídas nas experiências de vida e de resistência. Tratar a questão da velhice não é apenas demanda do presente, mas um projeto de futuro, em resposta à mudança na composição da população brasileira, com rápido aumento da expectativa de vida. Se essa realidade é resultado dos avanços em tecnologias e de melhorias de vida, ela é altamente desigual nos recortes de raça, gênero e sexualidade. A elaboração e a execução de políticas públicas direcionadas à população idosa é urgente, tanto para corrigir assimetrias de acesso à velhice digna quanto para aliviar a sobrecarga de cuidado vivenciada notadamente pelas mulheres em sua diversidade. Compreender que os desequilíbrios sociais, econômicos e ambientais são fruto de ações empreendidas no passado, demanda reconhecer que as soluções também residem nas experiências vividas.

Frente aos encontros, compartilhamentos e debates realizados no 13º Congresso Brasileiro de Agroecologia, as/os participantes consideram que importantes passos foram dados no sentido da convivência e do diálogo entre diferentes conhecimentos e afirmam seu compromisso com a construção de uma ciência crítica que se proponha a ouvir, a dialogar e a aprender com os sujeitos que constroem outras ciências, a agroecologia, a convivência com os territórios e a justiça climática.

O movimento agroecológico segue organizado rumo à Cúpula dos Povos, em Belém, em novembro de 2025, e ao 5º Encontro Nacional de Agroecologia, em Foz do Iguaçu, em maio de 2026.

Até o próximo CBA!

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