Sem divulgação e sem a participação da sociedade civil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) aprovou, no dia 15 de janeiro, a Resolução Normativa 16/2018, que estabelece requisitos para a definição de novas biotecnologias que usam engenharia genética diferentes das técnicas utilizadas em transgênicos já conhecidos (como milho e soja resistentes a agrotóxicos). Uma das formas de biotecnologia mencionadas na resolução aprovada pela CTNBio é a condução genética ou redirecionamento genético (gene drives, em inglês).
Em vigor desde o dia 22 de janeiro, a normativa aprovada abre brechas para que os organizamos produzidos por essa nova tecnologia de alteração genética não sejam considerados transgênicos ou Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Com isso, não haveria, por exemplo, necessidade do cumprimento da Lei de Biossegurança.
Para denunciar os riscos dessa aprovação e a falta de participação popular no debate relacionado, um conjunto de 20 entidades e movimentos sociais – entre elas a Terra de Direitos e a ABA-Agroecologia – assinam a carta pública ‘CTNBio: Novos transgênicos contra o campesinato, a soberania alimentar e a natureza’, divulgada nesta terça-feira (6).
O coletivo destaca que a forma de regulamentação – através de uma resolução normativa – é equivocada. Segundo a advogada popular da Terra de Direitos, Naiara Bittencourt, a possibilidade de liberação dessa tecnologia envolve temas que afetam o meio ambiente, a saúde, segurança alimentar e até a soberania nacional. “Ao ser aprovada uma lacuna que abre possibilidades para a implementação dessas tecnologias no Brasil por uma resolução da CTNBio, foi violado não só a Constituição Federal, mas também se excluiu qualquer debate e participação da sociedade civil, pesquisadores, especialistas e movimentos sociais”, alerta.
Riscos
No documento, as entidades também chamam a atenção para a falta de estudos relacionados ao uso das novas biotecnologias que, ao serem liberadas no meio ambiente, podem causar impactos irreversíveis.
Exemplo disso é a possível utilização de redirecionamento genético em espécies (chamado de gene drives). Nesse caso, os organismos são manipulados para transmitir informações genéticas dominantes aos seus descendentes. Ou seja, prevalecerão características genéticas do genitor que foi modificado, diferente do que acontece com os transgênicos que já são comercializados – em que são herdadas 50% das características de cada genitor.
Assim seria possível, por exemplo, modificar os genes de uma espécie de mosca para que ela reproduzisse apenas moscas macho, o que poderia extinguir a espécie. O que parece ser uma boa saída para o controle de pragas na agricultura também seria capaz de destruir toda uma cadeia ambiental. A falta desse tipo de insetos poderia também diminuir a população de sapos da região, que são importantes animais para o controle de pragas.
Segundo as organizações que assinam a carta de repúdio, esse tipo de tecnologia será utilizada apenas para ampliação do lucro, e não como forma de resolução de problemas sociais.
“As mais favorecidas são as empresas de agronegócios e as transnacionais de transgênicos, porque podem invadir campos e mercados com seus novos produtos manipulados geneticamente sem ter que passar pelos mecanismos de avaliação e regulamentação ou rotulagem, dessa maneira ganhando tempo e aumentando os lucros”, alerta o documento.
Tecnologia bélica?
Pelo potencial de alteração de ecossistemas e degradação ambiental, a tecnologia de gene drives é considerada pelas Nações Unidas também como uma arma biológica. Além disso, os movimentos sociais de todo o mundo denunciam a relação da tecnologia com instituições de pesquisa bélica estadunidenses. No fim do ano passado, o ETC Group divulgou uma série de arquivos que mostram que o principal financiador de pesquisas sobre condutores genéticos é o Exército dos Estados Unidos, seguido pela Fundação Bill e Melinda Gates.
Ao mesmo tempo em que os maiores incentivadores das pesquisas relacionadas a essa biotecnologia estejam localizados no Estados Unidos, esse tipo de modificação genética ainda não foi permitido no país.
Bittencourt alerta que a alteração das condições ambientais é uma das táticas usadas em guerra para eliminar ou enfraquecer o oponente, através do que se chama de “terra arrasada”. “Essa tática busca devastar e esgotar de uma área todos os recursos possíveis para sobrevivência”, explica. “Essa é uma das formas de minar territórios e vidas”.
Violações
A advogada popular aponta que, ao abrir brechas para a utilização de seres com esse tipo de modificação genética, a CTNBio viola leis e tratados nacionais e internacionais. Entre elas a Lei de Biossegurança (nº 11.105/05), que estabelece normas para a produção e comercialização de transgênicos. Na forma de resolução normativa, as novas biotecnologias não estarão ao alcance dessa lei.
“Isso implica falta de controle de vários aspectos: não haverá obrigatoriedade de rotulagem de alimentos produzidos através dessa tecnologia, nem de estudos complexos prévios”, fala. Com isso, os princípios de Prevenção e Precaução – que, no Direito Ambiental, determinam que não sejam tomadas medidas enquanto não houverem estudos ou indícios de possíveis danos e consequências – são ignorados.
A liberação também vai contra o que determina a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), um tratado internacional ratificado pelo Brasil que tem como objetivos a conservação da biodiversidade, o uso sustentável dela, e a justa distribuição de benefícios do uso econômico de recursos genéticos. Em dezembro de 2016, durante um Encontro das Partes da CDB, 160 organizações de todo o mundo reivindicaram que a CDB aplicasse uma moratória a essa tecnologia.
Texto de Franciele Petry Schramm retirado na íntegra de: goo.gl/oULDPz
Acesse o documento completo – Carta Movimentos Sociais – Novas tecnologias CTNBio