Milho aos pombos

Por Selvino Heck,

Entro na grande tenda montada na Escola Milton Santos de Agroecologia, Maringá, PR, cheia de gente – assentados, acampados, jovens, mulheres, estudantes -, vejo várias fileiras de sacos de 60 kg de sementes de milho crioulo amontoados atravessando toda tenda, e mais pilhas e pilhas de embalagens pequenas com sementes de frutas e verduras (vou levar as que recebi para meus irmãos que trabalham com Feira do Produtor em Santa Emília, Venâncio Aires, Rio Grande do Sul). No palco, a banda formada por jovens assentados canta de forma emocionada, e eu canto junto, ‘Milho aos Pombos’, de Zé Geraldo: “Enquanto esses comandantes loucos ficam por aí/ Queimando pestanas organizando suas batalhas/ Os guerrilheiros nas alcovas preparando na surdina suas mortalhas/ A cada conflito mais escombros/Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça/ Dando milho aos pombos./ Eu já nem sei o que mata mais/ Se os homens, a fome ou a guerra/ Se chega alguém querendo consertar/ Vem logo a ordem de cima/ Pega esse idiota e enterra/ Todo mundo querendo descobrir seu ovo de Colombo/ Isso tudo acontecendo e eu aqui na praça/ Dando milho aos pombos.”

Estou tri animado, como diria o gaúcho. Em poucas semanas, pude estar presente, falar e participar do III Encontro Internacional de Agroecologia – Redes para a Transição agroecológica na América Latina, 31 de julho a 3 de agosto, Botucatu, SP, mais de 2000 participantes; do 1º Seminário Municipal de Educação Ambiental e da Agricultura familiar de Formosa, GO, ‘Construir a Sociedade do Bem Viver’, organizado pelo Instituto Sócio-Ambiental Formosa para Todos, 60 participantes, 3 de agosto; e da 12ª Jornada de Agroecologia – Cuidando da Terra, Cultivando Biodiversidade, Colhendo Soberania Alimentar – Terra livre de Transgênicos e sem Agrotóxicos – Construindo o Projeto Popular e Soberano para a Agricultura, Escola Milton Santos, Maringá, PR, mais de 3000 participantes, 7 a 10 de agosto.

E ainda tiver o privilégio de conviver e ouvir o ministro Gilberto Carvalho, a indiana Vandana Shiva, grande referência internacional da agroecologia, João Pedro Stédile, Maria Emília Pacheco, presidente do CONSEA, Denis Monteiro, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Paulo Petersen, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Valter Bianchini, Coordenador da Câmara Interministerial de Agroecologia e Produção Orgânica (CIAPO), Arnoldo Campos, Secretário de Segurança Alimentar do MDS, Romeu Mattos Leite, da Câmara Temática de Agricultura Orgânica, João Rodrigues, do Instituto Formosa para Todos, tantas e tantos outros, com aulas de sabedoria, bem viver e fé no homem, na mulher e no jovem que estão mudando o mundo e apontando o futuro. (Aliás, chamou a atenção a grande presença de jovens – agricultores, camponeses, assentados, estudantes -, em tempos de mobilização da juventude em todo país.)

Como ressaltaram Paulo Petersen (ABA) e Denis Monteiro (ANA), a política e o plano e agroecologia e produção orgânica, construídos e aprovados em 2013, plano a ser lançado em breve pela presidenta Dilma, não caíram do céu. São fruto de muita luta, são resultado da mobilização dos movimentos sociais, Fóruns, Articulações, Redes e mundo acadêmico, em diálogo com o governo federal, e devem vir junto  com a  radicalização democrática, a sociedade civil parceira de governos progressistas, sem deixar de ser crítica. E nas palavras de João Pedro Stédile, é preciso construir um modelo de agricultura voltado para as necessidades do povo, organizando o território agrícola com soberania, com democratização do acesso à terra e produção de alimentos sadios.

O documento final da 12ª Jornada Agroecológica ressalta a construção do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO), dizendo que “se faz urgente que o governo federal tome as medidas para efetivá-lo de imediato, disponibilizando os recursos previstos a fim de que não se torne mais uma carta de intenção”. E termina dizendo: “Convergimos também com todas as lutas dos povos que forjam a emancipação humana, com a inclusão da dimensão ecológica da vida e assumimos, no cotidiano dos nossos territórios e de nossas vidas, o desafio da reconstrução agroecológica da agricultura.”

Nas palavras do ministro Gilberto Carvalho, na Jornada Agroecológica em Maringá, ‘”todo povo tem direito a alimentos agroecológicos. Sua produção não pode e não deve ser apenas um nicho para a classe média”.

Volto energizado a Brasília, ‘”mas não sentado na praça, dando milho aos pombos”. E sim, cantando com a banda de assentados e com todas e todos que estavam na tenda e nos encontros, no balanço do Raul Seixas, ‘Cowboy fora da lei’, que eles substituem por ‘Sem Terra fora da lei’: “Mamãe, não quero ser prefeito/ Pode ser que eu seja eleito/ E alguém pode querer me assassinar./ Eu não sou besta pra tirar onda de herói/ sou vacinado, eu sou cowboy/sem terra, cowboy/sem terra fora da lei./ Durango Kid só existe no gibi/ E quem quiser que fique aqui/ Entrar pra história é com vocês.”

Não estamos sentados na praça dando milho aos pontos, mas cantando “Eu creio na semente”, do Pe. Osmar, também cantada pela banda dos assentados e pelos presentes, com  força e alegria: “ “Eu creio na semente/lançada na terra/na vida da gente/ Eu creio no amor”.

Viva a agroecologia, uma nova utopia real!

(*) Selvino Heck é Assessor Especial da Secretaria Geral da Presidência da República e Secretário Executivo da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). Artigo publicado Originalmente no Jornal do Brasil em 23/08/13.

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