O que é uma semente Crioula na comunicação?

Durante o Seminário Regional de avaliação e sistematização do Projeto Comboio Agroecológico, realizado de 27 a 29 de julho em 2016,  a parceria e a amizade entre Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo dá origem a um coletivo de comunicação popular

Trajetórias: Muitos nós da rede
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Primeiro encontro do Coletivo Mídia Crioula acontece nas terras férteis do Sítio São José, uma das principais experiências agroflorestais Paraty-RJ.

Não saberíamos dizer se fazia sol ou se chovia quando as primeiras ideias desse coletivo faiscaram na cabeça e no coração de muitos que hoje o compõem. O ponto de encontro, ou de reencontro, de tantas vidas e vontades foi o Comboio, trem doido, como é carinhosamente chamado o Projeto da Rede de Núcleos de Agroecologia do Sudeste (R-NEA Sudeste) que teve início em fevereiro de 2014 e que encerrou seu primeiro ciclo em julho de 2016.

Entre os principais fios que tecem essa história está o processo de construção do III Encontro Nacional de Agroecologia, realizado em maio de 2014 em Juazeiro (BA). Ao colocar no centro dos debates a pergunta: “Por que interessa à sociedade apoiar a agroecologia?” e a comunicação como uma das principais estratégias metodológicas do III ENA, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) dispara um processo de identificação e mobilização de comunicadores/as de em todo o Brasil.

Inspiradas nas lutas do povo, em suas romarias e caminhadas, as Caravanas Agroecológicas e Culturais pelo Brasil se iniciam no processo de preparação do III Encontro Nacional de Agroecologia. A caravana é um exercício político-pedagógico coletivo de análise e mobilização popular em torno de temas e problemáticas existentes nos territórios. Propicia uma abordagem territorial ampla e independente, com o objetivo de produzir leituras compartilhadas sobre determinados contextos e temas. Ao vivenciar e contar juntas e juntos essas histórias o coletivo se inspira a pensar a comunicação para além das Caravanas.

A movimentação de métodos e ferramentas comunicativas e a visibilização do debate sobre comunicação como um direito fundamental na luta pela agroecologia floreou jardins em vários cantos do país. No Sudeste, despertou sonhos adormecidos ao aproximar comunicadores/as curiosos que já circulavam nas ruas e estradas das cidades, dos campos, das florestas e das águas.

Entre os dias 27 e 29 de Julho de 2016, ocorreu o Seminário Regional de avaliação e sistematização do Projeto Comboio, em Sete Lagoas – MG. Depois de tantas vivências e experiências na comunicação em agroecologia, proporcionadas principalmente pelo Projeto Comboio, nos reunimos, nesse seminário, para uma prosa reflexiva desses processos e decidimos cultivar uma semente de outra comunicação possível: a Mídia Crioula.

Nossa Comunicação é Popular, é Crioula!

A concepção de comunicação que une e ilumina as ações do Coletivo se apoia na compreensão de que a Agroecologia não apenas desconstrói, mas constitui um outro tipo de saber. Cicilia Peruzzo, no texto “Comunicar para Transformar”, que abre a edição da Revista Agriculturas, dedicada à comunicação nas experiências de agroecologia (Volume 13), reafirma que a comunicação na agroecologia é vista como meio de reivindicação, denúncia, mobilização, anúncio, uma linguagem, facilitação de processos de intercâmbio, formação, geração e troca de conhecimento.

Sintonizados com essa preocupação, a comunicação na agroecologia é, para nós, exercício de um direito fundamental das mulheres e homens que apostam e constroem outras formas de produzir alimentos, comer e conviver com a diversidade de povos e agroecossistemas.

Como traz a Carta Política do III ENA, “revelar os conflitos, as violações de direitos e as injustiças sociais e ambientais é condição fundamental para a construção de outro projeto de nação. Essa é uma das faces da comunicação necessária para a radicalização da democracia em nosso País”. Se agroecologia se opõe ao difusionismo das técnicas de produção que padronizam, oprimem e silenciam, a comunicação popular na agroecologia é um contraponto à comunicação difusora, interpelada por conteúdos unidirecionais, que manipulam e/ou silenciam saberes e vozes.

Se são tantas e tão inspiradoras as experiências agroecológicas de resistência e vida, como avançamos? Como inspiramos e re-encantamos processos e pessoas? Como enfrentamos os meios de comunicação que oprimem e invisibilizam violências sofridas e caminhos alternativos construídos?

A comunicação crioula guarda as sementes do conhecimento ancestral da humanidade. Saber sagrado que carrega a força da adaptação, multiplicação, resistência e informação. Nossa comunicação é bem comum enraizado na saúde, no feminino e nos povos. É saber anti hegemônico. A semente é crioula porque ela está permanentemente na terra, produzindo, se reproduzindo e se adaptando. A informação que ela dispersa está mais assentada naquilo que ela quer comunicar do que à mercê do vendaval.

A comunicação crioula é baseada e inspirada cotidianamente na prática dos guardiões dos saberes e práticas populares, no cuidado que nos impulsiona a observar os espaços onde estamos e seguir construindo a partir dele. Enquanto coletivo de trabalho, aprendizagem e luta, seguimos enraizados nas demandas dos movimentos sociais, dos coletivos, grupos e núcleos de agroecologia, exercitando olhares e práticas que emergem do fazer coletivo de um grupo diverso, curioso e comprometido.

Contar histórias de vida e resistência ilumina nossa caminhada, que passa pelo colorido do audiovisual e da fotografia, pela colheitas dos saberes tecidos por muitos nas relatorias, pela poesia e a música do povo. Passeiam pela facilitação gráfica, serigrafia, redes sociais e tantos outros espaços a ocupar e a re-significar.

Comunicação: Saberes e Fazeres Coletivos

“Na luta de classes todas as armas são boas: pedras, noites e poemas”. Leminski

Nosso encontro em Sete Lagoas e a escolha por nos chamarmos como um coletivo de comunicação em Agroecologia despertou um fluxo criativo para pensar nossas dinâmicas e nossa identidade. Passando por elementos como o amor, a confiança, as sementes, a polinização, o saber popular, entre outros, nos colocamos para o mundo com o nome de Mídia Crioula.

Buscamos estimular processos colaborativos que mobilizem diferentes habilidades, saberes, práticas, parceiros e grupos nos territórios; Possibilitar espaços de aprendizagem na elaboração dos produtos da comunicação, compreendendo essa construção como processo coletivo e formativo; Valorizar processos e ferramentas da comunicação popular; Aperfeiçoar a elaboração de produtos “inovadores”, orientados por diferentes linguagens e “públicos”, são princípios do trabalho do coletivo, que preza pelo envolvimento de um grupo diverso e complementar em suas habilidades.

Assim como nas sementes da paixão, o que nos uniu foi a vivência, o trabalho, a convivência, a amizade – não é um espaço de criação descolado da paixão, do compromisso e do sagrado. Para nós, essa preocupação nos ajuda a delimitar nosso espaço de atuação e as formas possíveis de agregar, envolver e inspirar mais pessoas.

A primeira experiência de trabalho conjunto do Coletivo Mídia Crioula foi o II Seminário Nacional de Educação em Agroecologia realizado em Seropédica durante os dias 25 a 27 de outubro de 2017. Vídeos, fotos, textos e inspirações seguem fluindo e conectando nossas frentes de trabalho.

O Coletivo é formado, nesse momento, por Bianca Santana, Rafaela Dornelas, Natália Almeida, Patricia Tavares, Larissa Cabral, Clara de Sá, Camila Teixeira, Muriel Duarte, Ramon Teixeira, Rodrigo Avelar, Paquê Viola, André Biazoti, Marcelo Xavier, Renan Monteiro e Douglas Alvaristo.

Este texto começa a ser tecido no Sítio São José (foto), em Paraty (RJ), e Rafa e Nati terminam no Sítio “Portal de Luz”, espaço de vida, trabalho e poesia, de Amauri e Vera, em Espera Feliz (MG).

Coletivo Mídia Crioula | midiacrioula@gmail.com

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