Em um clima leve de acolhida aconteceu, entre os dias 14 e 16 de março em Salvador/BA, a Oficina de Comunicação da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA). O evento, a partir de dinâmicas participativas permeadas por cantos e danças circulares, buscou a integração das/os comunicadoras/es populares e agroecológicas/os presentes, a consolidação da pauta da comunicação e sua importância estratégica para a Agroecologia.
Trata-se de um raro momento pois, apesar da Comunicação ser um importante tema, eventos que abordem especificamente a questão não costumam acontecer. Ocasião oportuna para se reforçar a importância de debater a comunicação e sua transversalidade, tanto entre as pessoas/os presentes, quanto em suas organizações, redes e movimentos de atuação.
A Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), por meio de suas comunicadoras, se uniu a representantes de diversos movimentos, redes e organizações, de diferentes localidades e regiões do país, para trocar experiências, sonhar coletivamente e somar esforços na construção de uma compreensão compartilhada que orientará a proposta de comunicação da ANA.
Compreender a história para construir atuação coletiva
A memória coletiva e o caudaloso rio de histórias da comunicação da ANA foi construído a muitas mãos, a partir da prática das organizações que compõem a articulação. Cada participante partilhou da atuação e do acúmulo de sua organização, tanto a nível local como regional e nacional, em interação com o contexto histórico de cada época, desde os anos da redemocratização no Brasil, na década de 1980.
A reconstituição da trajetória histórica a partir destas águas visa levantar elementos para reflexão e construir uma compreensão coletiva da atualidade. “Só a luz ofusca, só sombras cegam”: ressaltar as luzes e as sombras dessa história, identificar erros, acertos e evidenciar aprendizagens que subsidiarão o planejamento da atuaçãoda rede de comunicadoras/es da ANA. Essa linha do tempo possibilitou uma leitura coletiva sobre as ações em comunicação, entendendo a comunicação para além das organizações que integramos, construindo uma visão mais ampla dos processos.
Participaram do encontro parceiras/os alinhadas/os à luta pela comunicação como direito humano fundamental, entre eles o coletivo de comunicação social Intervozes, a rede de comunicadores Midia Ninja, o portal Brasil de Fato e a Articulação do Semiárido (ASA), que nos contaram um pouco sobre suas trajetórias, desafios e êxitos, enriquecendo o debate a partir da partilha de suas experiências. Em comum, estas experiências trazem a lógica colaborativa, de intercâmbios e compartilhamentos horizontais de informação, daabordagem baseada na diversidade de perspectivas e a autonomia narrativa, para além do latifúndio oligopolista da grande mídia monocultor de ideias.
Refletindo sobre a comunicação que almejamos
Dos diálogos ficou evidente a problematização sobre o status instrumental e operacional que costuma ser dado à comunicação. Em contrapartida, reivindica-se uma concepção de comunicação politizada, tratada muito além do caráter de mídia ou de ferramenta, mas enquanto um processo coletivo, ou seja, de uma certa maneira ou método de realizar e dizer algo.
Entre as prosas, resgataram-se memórias acerca de processos tradicionais de comunicação, que tem a ver com o modo de vida camponês ou dos povos tradicionais, que possuem dinâmicas coletivas de fluxo de informação e reflexão: o ajuntamento para lavar a roupa, a novena, o mutirão, a feira, os grupos de reflexão em espaços da igreja, reuniões de associações comunitárias ou de bairro, etc. Tais ambientes possuem autonomia e não dependem de profissionais de comunicação ou da intermediação de instrumentos tecnológicos, além de proporcionar a circulação da informação, promovendo momentos reflexivos e processos formativos comuns. Com relação a isso, é interessante observarmos a atual situação de termos nos tornado massivamente meros consumidores de informação, passivos no processo de produção da informação, ao invés de protagonistas ativos e produtores de reflexão e conhecimento.
IV ENA 2018: como desejamos nos comunicar enquanto coletivo
Pensamos os sonhos, os planos e as operações comuns para a comunicação em rede da ANA a partir do impulso dado pelas demandas de mobilização para o IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), que começa a germinar para frutificar em 2018. Com a finalidade de situar a todas/os no processo, houve uma retrospectiva histórica dos ENAs desde o seu primeiro encontro, com especial atenção ao avanço no tema da comunicação.
A intenção é pautar a comunicação como processo e estratégia metodológica de atuação da ANA, bem como do
próprio IV ENA, a partir de uma perspectiva de comunicação como eixo transversal, essencial aos outros temas. O percurso até lá será de um grande movimento de comunicação inter-regional, entre organizações, instituições, redes e movimentos e de diálogo com a sociedade, com lastro nos territórios e no trabalho de base.
O evento em si não é o principal, mas sim o que ele proporcionará em termos de encontro, mobilização, debate público, conexões, seu próprio processo de construção, enfim, que integra a dinâmica política e metodológica da ANA. Nesse sentido, o ENA não é o objetivo e o foco por si só, mas trata-se da culminância e potencialização de um processo que se dá e que continuará a se dar, para além do evento. Dessa forma, os processos preparatórios constituem-se em oportunidades fundamentais de intensificação das mobilizações, dos fluxos e conexões.
A Oficina de Comunicação da ANA marca um avanço e o amadurecimento acerca da temática e dos processos que envolvem a comunicação, tema este que já há alguns anos foi identificado como elemento político e educativo essencial, intrínseco aos processos da Agroecologia enquanto movimento, ciência e prática. Foi um momento de oxigenação e de recarregar as energias para a atuação no próximo período. Após a oficina, seguimos fortalecidas/os e reenergizadas na luta por uma comunicação democrática.
Texto: Tatiana Weckeverth – Comunicadora ABA
Revisão: Luiza Damigo