Os trabalhos de campo e as oficinas de construção do Programa Nacional de Saneamento Rural vêm apontando inter-relações importantes entre a agroecologia e o saneamento nos territórios camponeses e tradicionais. Em alguns contextos chega a ser difícil separar uma coisa da outra. Apesar disso, é raro encontrar estas duas palavras em um mesmo texto, seja um artigo acadêmico, um livro ou o documento de um programa ou política pública. Para chamar a atenção sobre essas relações, partilhamos alguns olhares sobre o tema. Como disse Diego, menino de O livro dos abraços de Eduardo Galeano: “me ajuda a olhar”.
“As bases conceituais da agroecologia, em suas dimensões técnico-científicas e sociais, possibilitam e aprofundam o debate das tecnologias sociais enquanto alternativas locais em consonância com o lugar e os modos de vida, especialmente, de populações rurais. O marco teórico já consolidado dessa ciência, que também é movimento e, portanto, dinâmico, o faz atualizado, mas, também, necessário quando adentramos na questão do saneamento, especialmente em áreas rurais. Por exemplo, estamos vivendo uma crise hídrica no Ceará e os reservatórios continuamente sendo exauridos. É preciso pensar saneamento em uma perspectiva ampliada e complexa, compreendo os interesses por trás dos projetos hídricos que não só têm ampliado os sulcos das iniquidades sociais, mas, paradoxalmente, reduzido drasticamente a capacidade de recarga das águas superficiais e subterrâneas. Ou seja, as próprias estratégias desenvolvidas de abastecimento acabam com o próprio recurso. Ao buscar o diálogo da agroecologia e saneamento, possibilitamos o fortalecimento de processos de transição em sistemas alimentares agroecológicos, pois se faz necessário aprofundar a construção de alternativas às formas convencionais de saneamento, desde uma perspectiva técnica à política, que possibilitem recuperação das águas em sua quantidade e qualidade e que seja um bem comum aos povos do campo, das florestas e das próprias águas. Assim, a agroecologia tanto contribui conceitualmente, mas, também, como campo de práticas e de inter-relações.”
Noemi Margarida Krefta
Movimento das Mulheres Camponesas (MMC)
“O Saneamento, quanto mais ecológico, mais perto das nossas necessidades. E a gente entende que, na agroecologia, a gente faz um trabalho no ambiente como um todo. Da água, do solo, dessa questão do esgotamento e dos resíduos, isso tudo aí é trabalhado dentro da agroecologia. E, pra nós, isso significa fazer toda uma luta para que o poder público entenda essa realidade de vida, que é diferente da realidade urbana. As necessidades são outras. O modo da população se organizar é diferente.”
“As tecnologias, os modos, os fazeres que já estão implementadas em nossas comunidades precisam ser consideradas, poque os técnicos não vão partir do nada. A gente já tem um modo de ser, viver e recriar. E a gente precisa fortalecer esses modos sobretudo reafirmando a nossa existência, a nossa importância, a importancia do nosso modo de vida.”
Alexandre Pessoa Dias
Professor-pesquisador do Laboratório de Educação Profissional em Vigilância em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (Lavsa/EPSJV/Fiocruz)
“Mesmo que tenhamos um grande déficit de sistemas públicos de saneamento rural, é importante reconhecer que não existe a ausência total de saneamento. Nos territórios camponeses, indígenas e tradicionais, as famílias fazem, cotidianamente, o manejo das águas, dos resíduos, dos esgotos, dos solos e da agricultura. O reconhecimento dos saberes, das técnicas e das culturas dos territórios é um bom ponto de partida para avançarmos na construção de um saneamento relacionado à origem dessa palavra: tornar saudável. A distância entre saneamento, produção agrícola e agroecologia pode ser reduzida pela integração de suas práticas no território. Na perspectiva da educação popular em saúde ambiental, o saneamento pode ser entendido, não somente como forma de prevenção das doenças, mas como promotor da saúde e da qualidade de vida. Por meio do fortalecimento da cultura camponesa, da ampliação das tecnologias sociais, da produção agroecológica, da geração de renda e da biodiversidade, as ações de saneamento rural podem favorecer as transformações socioambientais a partir das necessidades das comunidades.”
“A Agroecologia é uma ciência, movimento, prática e ação, pois possui princípios teóricos, ideológicos, metodológicos voltados à transição de sistemas agropecuários e sociedades sustentáveis. Apoia a manutenção e construção de sistemas socioecológicos multifuncionais, que têm como pilares a equidade, confiabilidade, segurança, resiliência, adaptabilidade, que apontam para uma maior qualidade ambiental. Ressalta que a noção de qualidade “ambiental” é ampla, pois envolve para além do aspecto agrícola, englobando as esferas socioeconômicas, políticas, culturais, educacionais e éticas, as quais se inter-relacionam. O saneamento ambiental, portanto, se encontra no âmbito de todas essas esferas e objetiva, sobretudo, salubridade. Desse modo, sistemas de infraestrutura em saneamento ambiental adequados às realidades rurais potencializam a qualidade dos recursos hídricos, edáficos, faunísticos e florísticos, os quais são imprescindíveis para a produção agrícola e manutenção de todas formas de vidas. Assim, discussão sobre a qualidade de saneamento ambiental rural no contexto da Agroecologia é de grande importância, sobretudo no campo das políticas de desenvolvimento territorial.”
Alan Tygel
É membro da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida
“A definição de água potável no Brasil admite um “limite seguro” para 25 ingredientes ativos de agrotóxicos, sendo que há quase 400 ingredientes ativos de agrotóxicos registrados no país. Ou seja: além de assumir que “um pouquinho de veneno não faz mal”, negligenciamos uma imensa gama de contaminantes que chegam na água a partir das plantações, inclusive via pulverização aérea. Há alguns anos, a Campanha Contra o Agrotóxicos definiu que o tema da água é prioritário, pois vemos no dia a dia que a população do campo, das florestas e das águas têm sofrido com a contaminação de suas águas. É uma verdadeira guerra química, que inclusive inviabiliza a produção agroecológica. Sem água de qualidade, não há agroecologia.”
Retirado na íntegra de: http://pnsr.desa.ufmg.br/saneamento_e_agroecologia/