Chamado do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia sobre a tragédia-crime do derramamento de petróleo na costa brasileira
Com o petróleo não há soberania alimentar, há fome. Há mais de sessenta dias, milhares de toneladas de petróleo bruto adentram praias, rios, mangues e estuários de mais de 354 localidades de 9 estados da região nordeste. E o amanhã nos oferece um futuro com mais contaminação e ameaça de destruição das comunidades pesqueiras com a ampliação da exploração do Pré-Sal. No mar a teia da vida apresenta conexões sensíveis e planetárias..O impacto da contaminação pelo petróleo é ou será sentido por todas as pessoas, mas de modo desigual. As peles manchadas e contaminadas são negras, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, extrativistas e comunidades tradicionais.
Nós, pescadoras e pescadores artesanais, marisqueiras, quilombolas, indígenas, camponesas/es, povos extrativistas, estudantes, pesquisadoras/es, técnicas/os, participantes do XI Congresso Brasileiro de Agroecologia praticamos a Ecologia de Saberes por meio da articulação entre a ciência e saberes tradicionais para a defesa da vida na forma de vários fios tecidos na Teia desse Congresso. A roda de conversa na Tenda Samba de Coco “Impactos da Tragédia-Crime do Derramamento de Óleo no Nordeste desde os povos e comunidades tradicionais de Sergipe” foi um fio que se costurou com a Tenda Rachel Carson na roda de conversa “Ciência Cidadã e Diálogo de Saberes na América Latina”, que a partir do chamado do Movimento de Marisqueiras de Sergipe, forte e comovente, provocou na plenária a necessidade urgente de se estabelecer a coerência da práxis da Ecologia de Saberes e da Ciência Cidadã. Assim, foi planejado e realizado um ato político solidário no território pesqueiro da Praia de Mosqueiro em Aracaju, Sergipe, com mais de 100 participantes do XI CBA e conduzido pelas lideranças marisqueiras.
Denunciamos a tentativa de genocídio praticada pela indústria petrolífera, a omissão criminosa do governo brasileiro, a quem exigimos ação rápida, eficaz e dialogada com os movimentos de pescadoras e pescadores artesanais, indígenas, ribeirinhas, quilombolas, extrativistas e comunidades tradicionais de nosso litoral. Chamamos outros povos e comunidades à solidariedade, assim como setores socialmente comprometidos com nossas demandas, bem como as teias da agroecologia articuladas tanto a nível nacional como internacional com urgência e emergência para se somar a essa luta vital.
O derramamento do petróleo impacta diretamente nas políticas de conservação ambiental da vida marinha, o turismo, o comércio e outros serviços, mas são nas nossas comunidades pesqueiras, quilombolas, indígenas, extrativistas, ribeirinhas e comunidades tradicionais que seus efeitos são mais radicalmente sentidos e vividos.
Nossos corpos estão imersos nessas águas. A água é um bem sagrado para nosso povo. Nossas comunidades já estão passando fome e desalento porque não podemos pescar, alimentar e vender nosso pescado. Não temos a cultura da acumulação, pescamos de manhã para comer a noite. O cheiro do mangue é o cheiro dos nossos corpos. O mangue é o berçário de mais de 70% da vida marinha. Quando o mangue morre nós morremos juntos.
O impacto da contaminação por petróleo inclui as áreas com as manchas, a contaminação ainda invisível, mas presente em micropartículas e as áreas que não estão contaminadas, mas sofrem na mesma medida com a interdição da pesca artesanal e a falta de possibilidade de vender seu pescado.
O Estado brasileiro viola o direito de acesso à informação, mantendo sob sigilo informações de interesse público. Em sua origem, com precisão, só é possível afirmar que a tragédia-crime é de responsabilidade da indústria petrolífera, em sua cadeia de extração, armazenamento, transporte e beneficiamento. O derramamento desmascara o mito que sustenta que o desenvolvimento tecnológico faz da exploração do petróleo uma atividade segura. Os vazamentos e riscos são constitutivos desta cadeia e são distribuídos de modo desigual sobre os segmentos da sociedade. Seu resultado direto é o envenenamento e desterritorialização de povos e comunidades tradicionais. O único lugar em que o petróleo está seguro é no subsolo.
Exigimos:
- O acionamento imediato e a efetivação do Plano Nacional de Contingência para incidentes de Poluição por óleo em Água (PNC) com a inserção e participação efetiva dos Movimentos de Pescadoras e Pescadoras, Quilombolas, Indígenas, Povos Extrativistas e Comunidades Tradicionais nas suas atividades de planejamento e execução;
- A declaração de estado de emergência em saúde pública pelas instâncias governamentais dos entes federativos municipais, estaduais e federal;
- Que as Universidades, Centros de Pesquisa e o SUS desenvolvam em parceria com as comunidades impactadas mecanismos de vigilância popular em saúde para garantir a intervenção sobre os problemas de forma rápida, oportuna e integral;
- Garantir uma política de reparação integral e imediata de forma a atenuar a fome e a dor a que nossas populações estão passando;
- A realização de estudos técnicos e científicos sobre a qualidade do pescado e da água, bem como os danos materiais e imaterias para as comunidades pesqueiras de modo a orientar políticas públicas de enfrentamento aos impactos do derramamento do petróleo;
- O destravamento de 600.000 (seicentos mil) Registros Gerais de Pesca cuja tramitação está suspensa, cancelada e não entregue, impedindo o acesso de pescadoras e pescadores artesanais à direitos legalmente assegurados;
- Garantia do direito a informação com fim do sigilo das investigações e a ampla divulgação de informações atualizadas de interesse coletivo.
Carta proposta para a Conferência de Despedida do XI CBA por:
Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais
Movimento de Marisqueiras de Sergipe
Articulação Nacional das Pescadoras
Articulação da Juventude Pesqueira
Conselho Pastoral da Pesca
GT Saúde ABA-Agroecologia
GT Saúde e Ambiente ABRASCO
Faça o download da Carta Manifesto e do documento “Mobilização em defesa dos povos das águas” pelos links abaixo.