Campanha pela Agricultura Familiar, realizada durante a COP 30 em Belém (PA), articulou diferentes setores do poder público, redes internacionais da sociedade civil e vozes dos territórios

No dia 19 de novembro, dedicado ao debate sobre o tema da agricultura na 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30), organizações, articulações e movimentos sociais da Agricultura Familiar reivindicaram o reconhecimento e expansão da Agroecologia como caminho fundamental para a transformação dos sistemas alimentares e para a resiliência climática.
Na Zona Azul, considerada uma “área VIP” do evento, diferentes painéis foram realizados sobre o assunto e, ao que tudo indica, há um consenso entre organizações da sociedade civil que atuam na área e o Governo Federal no entendimento da importância dos sistemas alimentares para o clima.
“Não haverá transição climática sem transição dos sistemas alimentares”. É o que vem repetindo por onde passa o professor da cátedra Josué de Castro da Universidade de São Paulo (USP), Arilson Favaretto. Nos momentos finais da COP30, resta saber se o consenso se transformará em incidência na agenda de ação pós-Conferência.
As ações da campanha na COP 30 pela Agricultura Familiar

Durante toda a COP 30, a Campanha pela Agricultura Familiar promoveu debates e pressões aos governos e organismos decisórios da conferência climática para que resoluções concretas integrem a agenda global no sentido de garantir a transformação dos sistemas alimentares.
Um dos grandes exemplos é o marco referencial lançado dia 20 de novembro pelo Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome. Contudo, o enviado especial da campanha Agricultura Familiar, Paulo Petersen, destacou que há uma forte pressão dos grandes setores empresariais da agricultura para que sejam feitos apenas pequenos ajustes tecnológicos focados na economia de carbono e agricultura regenerativa, mas que isso concentra-se apenas na produção.
“Nós, que trabalhamos com o conceito de Sistemas Alimentares, sabemos que é o sistema alimentar como um todo que precisa ser transformado. Aí é que entra a Agricultura Familiar e a Agroecologia”, diz Paulo, explicando que mais do que uma tecnologia, a Agroecologia deve ser entendida como um enfoque de transformação dos sistemas alimentares, que integra políticas de inclusão, superação da pobreza e recuperação de áreas degradadas.
Petersen acredita que as vozes dos movimentos sociais são decisivas para pressionar e garantir que a Agricultura Familiar esteja efetivamente na agenda climática mundial, pois a Cúpula dos Povos pautou muito explicitamente a necessidade de ir para os territórios reconhecer as práticas sociais que estão ligadas ao tema dos sistemas alimentares. “E essas vozes, certamente, continuarão ecoando daqui para a frente”, avalia o enviado da Agricultura Familiar, se referindo à desdobramentos dos debates sobre o tema após a conferência do clima.
Agroecologia propõe soluções diversas e complementares
Durante o debate “Agricultura Familiar e Mutirão Climático: Liderança Global para Sistemas Alimentares Resilientes e Sustentáveis”, a presidenta do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), Elizabetta Recine, chamou a atenção para a crescente complexidade dos desafios que envolvem a segurança alimentar e as interligações com questões sociais e ambientais.
Ela destacou que, embora a fome continue presente, as soluções adotadas nas últimas décadas, como a simples distribuição de cestas básicas ou suplementos vitamínicos, não foram suficientes para resolver o problema. “As questões foram ficando cada vez mais complexas e as agendas foram se interligando, uma vez que o enfrentamento à fome e à insegurança alimentar deve considerar as diferentes dimensões do problema, integrando políticas públicas de diversas áreas, focadas na participação social e nos direitos humanos”, diz a presidenta do Consea, que acrescenta: “Não é mais possível resolver essa questão com medidas isoladas, porque os processos sociais, econômicos e ambientais se inter-relacionam”.
Segundo Elizabetta Recine, a construção de políticas eficazes deve levar em conta a participação das comunidades afetadas e a interconexão da segurança alimentar, da soberania alimentar, da justiça social e da sustentabilidade ambiental. “Quando trabalhamos a alimentação, estamos falando de vida, saúde e dignidade humana”, enfatiza.
A fala de Recine reforça a necessidade da COP 30 e de outras instâncias internacionais reconhecerem a complexidade das situações locais para promover soluções integradas e eficazes, que combinem assistência imediata e transformações estruturais de longo prazo nos sistemas alimentares.
Na COP das resoluções, a ação conjunta deve ser prioridade

No painel “Políticas públicas coerentes para os sistemas alimentares e o clima: rumo a uma transição justa e baseada em direitos”, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias, apresentou o Plano de Aceleração de Soluções (PAS) e destacou que o documento de soluções nasce “de uma ação coordenada entre governo federal, sociedade civil, universidades, organismos internacionais e movimentos que nunca deixaram o tema da alimentação sair da grande agenda pública”.
Na ocasião, o ministro ressaltou que é essencial garantir que a transição dos sistemas alimentares seja justa e com a participação dos territórios mais vulneráveis, como foi aprovado na Declaração de Belém. “Todas as pessoas que vivem, seja nas áreas urbanas quanto nas rurais, ribeirinhas, indígenas, enfim, todas as pessoas devem ser consideradas nas políticas climáticas e alimentares.”
Ao tratar da cooperação internacional e da necessidade de alianças, Wellington afirmou: “Ninguém transforma os sistemas alimentares sozinho. Por isso, este momento é de construir alianças entre governos, comunidades, empresas comprometidas e instituições financeiras”. E concluiu com um apelo à ação conjunta: “precisamos assegurar sistemas alimentares saudáveis, sustentáveis, resilientes e que garantam vida digna para produzir comida de qualidade para quem precisa. Estamos aqui para trabalhar juntos, e que esta conferência seja um espaço de construção real de caminhos, não apenas de declarações”, concluiu o ministro, ressaltando as afirmações do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, de que “a COP 30 é a COP da verdade, a COP das resoluções”.
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O caminho da agricultura familiar promove uma solução sistêmica
Durante os debates sobre políticas públicas coerentes com sistemas alimentares e clima, a Secretária Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS), Lilian Rahal, explicou que, desde 2023, o MDS vem retomando e reconstruindo políticas públicas de segurança alimentar e nutricional focadas na governança do sistema nacional, que guia todas as suas ações.
“Essas políticas públicas foram e estão sendo redesenhadas e implementadas considerando que os sistemas alimentares são causa e também sofrem as consequências da mudança do clima”, destacou a secretária, emendando: “as mudanças climáticas agravam as injustiças, acentuam a pobreza, ampliam as desigualdades e afetam, principalmente, pessoas e comunidades em situação de vulnerabilidade, que são objeto do nosso trabalho”.
Sobre o Plano de Aceleração de Soluções proposto pela presidência da COP 30, Lilian afirmou que ele busca uma ação conjunta entre políticas públicas e comunidades, com governança multissetorial, “incluindo participação social e pautada nos direitos humanos, na alimentação adequada e na justiça climática. A convergência e coerência das políticas são essenciais para o alinhamento das agendas de clima, segurança alimentar, agricultura, saúde, meio ambiente, desenvolvimento e proteção social em torno de uma visão sistêmica”, avalia a secretária.
Agricultura Familiar sai fortalecida após a COP 30

A COP 30 chegou ao fim e o representante do Fórum Rural Mundial, Christian Alejandro Barrazueta, que também participou dos debates sobre o setor, avalia de maneira positiva os avanços da Agricultura Familiar na conferência. Ele explica que o Fórum está trabalhando para incluir referências à Agricultura Familiar em vários documentos aprovados.
Para ele, a COP 30 representa “um momento excelente para avançar no reconhecimento da Agricultura Familiar como um modelo de produção, um modelo de vida que conecta todo o trabalho que se faz ao meio ambiente” e destacou que esse reconhecimento “é uma grande oportunidade para fortalecer a Agricultura Familiar globalmente, integrando sustentabilidade ambiental e justiça social.”
Paulo Petersen reforça: “Ao pensarmos sobre as ameaças aos sistemas alimentares, estamos falando também da perda de culturas e não só de alimentos. É urgente revalorizar as práticas ancestrais, reformular as nossas estratégias de fazer pesquisas e estruturar nossas tecnologias”.
Como enviado especial inédito do tema da agricultura familiar, Petersen deixa como mensagem um balanço de que é preciso, sobretudo, mudar nossa cultura política de forma mais ampla. “A alimentação atua como tema aglutinador. A sociedade se mobiliza pela comida de verdade, temos que seguir fortalecendo nossas alianças”, finaliza ele.
Sobre a Campanha Agricultura Familiar na COP 30
Pela primeira vez em 30 anos, o tema da agricultura familiar chega até a Conferência das Partes (COP), órgão supremo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que reúne anualmente os países signatários para discutir e negociar ações para mitigar os efeitos das mudanças do clima.
Para movimentar a agenda da Campanha Agricultura Familiar na COP 30 e anunciar a Agroecologia como principal caminho para a resiliência climática e para a transformação dos sistemas de produção, o Coordenador Executivo da Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa, (AS-PTA), Paulo Petersen, foi enviado especial, e esteve presente em diferentes eventos.
A Campanha foi concebida para funcionar como um veículo de afirmação de posicionamentos que foram sendo consolidados durante anos em articulações em rede, particularmente a partir da ação agregadora da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), e foi realizada em parceria entre AS-PTA, Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), e Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).
Texto: Avelina Castro
Edição: Adriana Galvão, Helena Dias, Natália Almeida e Ludmilla Balduino

