por Diogo Costa
Com um olhar firme e voz altiva a agricultora paranaense relembra o que disse ao marido ao ser diagnosticada com intoxicação crônica: “não quero que ninguém fique ao meu lado por pena. Se ficar, que seja por amor”. O tom de voz muda quando ela mesma revela a resposta do marido: “aí ele me disse que não nos casamos apenas perante convidados, nos casamos diante de Deus. Estamos juntos há mais de 20 anos”, lembra.
A história descreve uma das cenas do documentário “O diagnóstico”, do pesquisador e cineasta Beto Novais, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que narra o diagnóstico de agricultores da lavoura do tabaco paranaense acometidos por doenças provenientes da exposição aos agrotóxicos. Junto com os filmes “El costo humano de los agrotóxicos” e “Fabián, la sombra del êxito”, do fotojornalista e cineasta argentino Pablo Paviano, as obras denunciaram os danos à saúde de agricultoras e agricultores do Brasil e da Argentina provocados pela longa exposição a venenos agrícolas.
A temática abordada nos documentários mantém aquecidas as discussões sobre as liberações de agrotóxicos pelo governo federal em 2019. Os filmes integraram a mostra especial de abertura do Festival Internacional de Cinema Agroecológico (FICAECO), que ocorreu no dia 05, no auditório da reitoria da Universidade Federal de Sergipe. O festival segue até o dia 07, último dia da XI CBA.
A abertura do FICAECO também contou com uma performance de dança de Diogo Souza, um dos organizadores do festival, que precedeu a mesa de abertura, composta por Pedro Serafim, procurador do Ministério Público e coordenador do Fórum Nacional de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos; Marcos Antônio, vice-presidente do de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (Fiocruz); Paulo Peterson, da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) e Marina Marcon, diretora de projetos na Associação de Agricultura Orgânica da OAB/SP.
Também participaram da mesa de abertura os representantes indígenas da Ororubá Filmes de Pesqueira PE, Kleber Xukuru e Marcelo Tingui. Os representantes destacaram a arte cinematográfica como construção de um cinema ancestral e de empoderamento dos povos indígenas.
A programação do FICAECO é dividida em mostras especiais, compostas por filmes indicados pela organização, e mostra principal, composta por 28 filmes selecionados para exibição no festival, que recebeu 138 inscrições de filmes. As mostra são sucedidas por rodas de debates com convidados e entrega de troféus do prêmio Ana Pimavesi. O prêmio é uma homenagem a pesquisadora e militante de origem austríaca que migrou para o Brasil na década de 1950, iniciando sua atuação como pesquisadora e militante do campo da agroecologia.
Após a exibição dos filmes ocorreu um debate entre o público e os documentaristas Pablo Paviano e Beto Novais, Raquel Rigotto, médica e pesquisadora da Universidade Federal do Ceará (UFC) e Margaret Matos, procuradora regional do trabalho do Paraná (MPT- PR).
Os debatedores destacaram a importância da ate cinematográfica como forma de resistência e denúncia dos riscos à saúde causados pelo uso indiscriminado de agrotóxicos.
“O cinema é uma arte de disputa das dominações simbólicas produzidas pelas mídias hegemônicas. É por meio da arte que tem sido possível quebrar a hegemonia”, enfatizou Rigotto.
O FICAECO recebe a estrutura de festival internacional na XI edição do CBA. Em edições anteriores, os filmes eram exibidos em mostra audiovisual agroecológica, com abrangência nacional.
“Decidimos ampliar a mostra, transformá-la em um festival. Não queríamos discutir apenas questões estéticas, mas aprofundar nas temáticas dos filmes, pensá-los na perspectiva da América Latina”, explicou Dagmar Talga, organizadora do festival.