A Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e pela Vida possui uma rotina de atividades que colocam em pauta os impactos causados pelos agrotóxicos e seu modelo agrícola, do Agronegócio. Suas atividades se intensificam com a aproximação do dia 3 de dezembro, o Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos, data na qual se costumam realizar uma série atividades e mobilizações em várias regiões do Brasil, sendo um marco para a campanha bem como para as lutas e denúncias contra o inconveniente uso dos agrotóxicos. A data, que foi instituída pela Pesticide Action Network (PAN), é relembrada internacionalmente e refere-se ao desastre acontecido no ano de 1984, em Bhopal na Índia, no qual uma fábrica produtora de agrotóxicos da corporação Union Carbide, atualmente incorporada à Dow Química, explodiu matando cerca de 30 mil pessoas e deixando outras milhares feridas e com sequelas.
Ao realizar a palestra com o tema “Impactos dos Agrotóxicos no Campo e na Cidade” a Paraíba foi mais um estado a se inserir na agenda vinculada à Campanha Permanente e à Semana Nacional de Mobilização de Combate aos Impactos Causados pelos Agrotóxicos, que culminará no Dia Internacional de Luta Contra os Agrotóxicos. A atividade foi promovida pelo Movimento de Educação do Campo e Agroecologia (MECA) e o Núcleo de Agroecologia da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) junto ao Núcleo de Extensão Rural Agroecológica da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e aconteceu no auditório do Colégio Agrícola Vidal de Negreiros no Centro de Ciências Humanas, Sociais e Agrárias da UFPB Campus III no dia 24 de novembro na cidade de Bananeiras. A palestra foi ministrada por Shirleyde Alves dos Santos, profissional da área da saúde e professora do bacharelado em Agroecologia da UEPB.
Shirleyde dos Santos resgatou um dado que demonstra que o Brasil é o país que mais consome agrotóxicos. Ela fez uma retrospectiva histórica que contextualizou e esclareceu os interesses envolvidos com a disseminação do pacote tecnológico vinculado ao agrotóxico. Explicou que o uso do pacote agroquímico remete às grandes guerras mundiais que ao findarem deixaram os parques industriais relacionados à fabricação de armas químicas ociosos, sendo que a solução encontrada para a permanência desse tipo de produção e lucrativo mercado se deu pelo redirecionamento destas indústrias para a produção agroquímica. O processo conhecido pela alcunha “Revolução Verde” incitou o uso do pacote tecnológico que inclui os agrotóxicos e em sua propaganda difundiu a ideia de que seria a solução para o aumento na produtividade agrícola e para a erradicação da fome mundial. No Brasil, tal modelo produtivo e seu pacote tecnológico tem sido favorecido há muitas décadas a partir de marcos regulatórios pouco severos que facilitaram o registro de agrotóxicos, por meio de políticas e apoios governamentais que concederam recursos financeiros e isenções tributárias que propiciaram o estabelecimento de empresas nacionais e a introdução de transnacionais agroquímicas e que disponibilizaram créditos rurais vinculados à exigência da compra dos insumos
agroquímicos.
As consequências do uso dos agrotóxicos para o meio ambiente e para a humanidade e a vida no geral são alarmantes. Algumas situações problemáticas foram citadas por Shirleyde, que referiu-se a ocorrência de intimidações, que costumam ser feitas contra pessoas e agricultoras/es familiares que denunciam o uso abusivo dos pesticidas, e da recorrente omissão e negação dos casos de intoxicação por parte das/os trabalhadoras/es rurais pelo medo que essas pessoas têm de demissão ou de sofrerem represálias; a continuidade no uso de tóxicos que são proibidos no exterior; os vários casos de depressão e suicídio de agricultoras/es, sendo que em muitas circunstâncias elas têm relação com o endividamento pela compra do pacote tecnológico.
Rememorou-se da pesquisa realizada pela Universidade Federal do Mato Grosso em colaboração com a Fundação Oswaldo Cruz que indicou a presença de resíduos de agrotóxicos inclusive no leite materno de mulheres na cidade de Lucas do Rio Verde (MT), uma região com alta produção de soja e aonde ocorria pulverização aérea. Foi relatado que o próprio INCA (Instituto Nacional do Câncer) pronunciou-se contrário ao uso dos venenos* e ao seu modelo produtivo, sendo que em contraposição anuncia e apoia a produções de base agroecológica. Mesmo em meio a tanto embaraço, Shirleyde declara que ainda existem iniciativas como a proposta do Projeto de Lei (PL) 3200/15 do deputado Covatti Filho (PP-RS) que intenciona invalidar a Lei de Agrotóxicos e, dentre as medidas, visa eufemizar o papel e o significado dos agrotóxicos ao pretender substituir o termo por “defensivos fitossanitários e produtos de controle ambiental”.
Segundo Shirleyde, existem vários obstáculos na apuração e no diagnóstico dos casos de intoxicação devido a subnotificação dos casos, a desinformação e a dispersão dos dados. Há falta de profissionais da saúde preparadas/os e sensibilizadas/os acerca do tema, incorrendo na dificuldade de identificação principalmente em casos de intoxicação que costumam apresentar sintomas como dor de cabeça, tontura, etc. que podem ser confundidos com outros problemas. Outra questão preocupante que foi colocada são as consequências não imediatas e acumulativas no organismo, que costumam se manifestar muito tempo depois, dificultando sua correlação com o caso de envenenamento, particularmente quando a pessoa não lida diretamente com os tóxicos como no caso das/os consumidoras/es.
O momento final da palestra foi dedicado ao debate que proporcionou espaço para várias considerações, discutindo-se sobre a profunda que vivencia a sociedade e as subjetividades, mencionando-se o desequilíbrio generalizado que perpassa a humanidade e a Terra em diversos aspectos: seja ecológico, econômico, social, seja psicossomático, emocional, energético, etc. Comentou-se que até mesmo quando se pretende falar sobre o aprimoramento da vida, costumam-se utilizar abordagens conflitivas e/ou beligerantes: “o combate ao mosquito da dengue”, “a guerra contra o crime”, o antibiótico (que significa anti-vida). Ou seja, são signos que acabam por manifestar um padrão e uma orientação sociocultural biocida (de morte, de extermínio da vida).
Por fim, Shirleyde deixa uma provocação para reflexão: uma imensa parte do que é plantado pelo modelo agrícola do Agronegócio, com o alto uso dos insumos industriais químicos, não servem à alimentação, mas à produção de commodities. Afinal, quem estaria se beneficiando e quem estaria se prejudicando com esse modelo produtivo?
* Posicionamento do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva acerca dos Agrotóxicos
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Leia aqui o Manifesto pelo Dia Mundial de Luta Contra os Agrotóxicos
Texto: Tatiana Weckeverth/ Comunicadora ABA