21 a 24/novembro/2018 Paraty Quilombo de Campinho
O primeiro encontro sobre Saúde e Agroecologia aconteceu no Quilombo do Campinho, município de Paraty (RJ), de 21 a 24/11 2018. Com o título “Diálogos e Convergências”, ele vem na verdade confirmar várias etapas de aproximação entre a Fiocruz por um lado, a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) e a ABA-Agroecologia por outro. O encontro foi um momento decisivo de fortalecimento e aproximação institucional. O vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz estava presente no evento e demostrou claramente a vontade de colocar a pauta da agroecologia como uma das prioridades da Fundação. Para as articulações da agroecologia, isso vem como uma oportunidade histórica de seguir em frente em uma conjuntura nacional onde, com o novo governo, a expectativa é que os espaços de resistência à hegemonia do agronegócio vão reduzindo-se ainda mais.
Um dos objetivos do encontro foi a construção de processos preparatórios para o XI Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), a ser realizado em Sergipe, em novembro 2019. Se confirmou nesse encontro que a convergência entre a saúde e a agroecologia deve ser pauta do CBA. A Fiocruz quer e se comprometeu a contribuir com a preparação e realização do CBA, pois entende que é um momento forte da institucionalização da agroecologia no Brasil. De fato, as mudanças do contexto político nos obrigam a revisitar a narrativa da agroecologia, e nesse sentido o tema da saúde se apresenta como um eixo estratégico para “afirmar” a narrativa agroecológica, superando a fase de “denunciar”. Ficou clara a grande complementaridade entre a Fiocruz, que tem toda a força de uma grande instituição, a ANA e a ABA, que têm as vantagens das redes e a leveza das articulações.
O encontro contou com a presença de, em média, cento e cinquenta participantes vindos das várias regiões do país, a maioria mulheres. O fato do encontro ter acontecido no Quilombo do Campinho permitiu numerosas interações com a comunidade que acabava de celebrar a semana da consciência negra e os seus vinte anos de resistência. A comida de influência caiçara, tão saudável e gostosa, do restaurante do Quilombo, onde ficamos a maior parte do tempo, e a Mata Atlântica que nos rodeava tiveram um impacto lindo, nos conectando, a partir dos sentidos, ao tema do encontro. Essas relações foram acentuadas pela presença do Fórum de comunidades tradicionais de Angra, Paraty e Ubatuba e do Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina, que atuam na região e que facilitaram muito a organização das 11 vivências e 6 seminários temáticos, momentos importantes dentro da programação.
O representante do GT Construção do Conhecimento Agroecológico participou de uma das vivências sobre plantas medicinais e do seminário temático sobre o mesmo assunto. Na vivência, o grupo foi acolhido por uma médica homeopata, Dra. Claudia, secretaria de saúde do município de Paraty. Ela nos mostrou um posto do SUS que começou a atender pacientes com plantas medicinais cultivadas no quintal do prédio. Depois, ela nos levou em creches e escolas infantis da cidade onde acompanha projetos de hortas plantadas pelas crianças. Assim, a gente percebeu as maneiras de mudar, com paciência e sagacidade, as mentalidades através de pequenos passos na saúde e na alimentação.
No seminário, três depoimentos exemplificaram as iniciativas com plantas medicinais que estão ocorrendo: Dona “Tantinha”, sobre uma experiência localizada em Belo Horizonte; Fernanda (pesquisadora da Fiocruz), sobre uma experiência estadual no Mato Grosso do Sul e o Glauco (pesquisador da Fiocruz), sobre uma experiência federal. Pelos depoimentos, deu para perceber as mudanças que ocorreram recentemente nas concepções da saúde pública. Após focar no fator social das doenças, a saúde pública se interessa também cada vez mais pelos fatores ambientais.
O seminário começou com um “exercício espiritual” com as plantas. Cada participante recebeu de olhos fechados uma folha que ele tinha que apresentar. Isso possibilitou sentir o poder curativo do mundo vegetal, que além de cientificamente, pode ser sentido também pela intuição, mobilizando todos os sentidos. Dona Tantinha nos ajudou a entender e perceber, como também a Dr. Claudia, que as plantas são como pessoas, cada uma tem uma “pessoalidade”. A maneira como a planta se apresenta já nos que encaminha até as propriedades terapêuticas dela. Assim as conversas em grupo, ao final do seminário, discorreram muito sobre o conhecimento popular, tradicional, religioso e não só científico e tecnológico do mundo vegetal e o papel de uma instituição de pesquisa como a Fiocruz.
No último dia, houve um momento para avaliar o encontro. Um dos grupos foi composto pelos membros da ABA-Agroecologia, com 12 pessoas. A questão da construção do conhecimento foi um assunto central durante o encontro. Por exemplo, como contribuir com a promoção do conhecimento popular e tradicional das raizeiras que tem uma forma de saber tão legitima e eficiente como às ciências modernas? Como reconhecer juridicamente esse conhecimento e também protegê-lo. Como destacou uma liderança da comunidade Guarani de Paraty-Mirim, como proteger os conhecimentos quando pesquisadores vem captar os recursos e saberes que eles têm da Mata ao redor? A “luta pelo (re)conhecimento” tem consequências políticas óbvias na medida em que as leis que aprovam ou rejeitam grandes projetos, de mineração ou de produção agropecuária por exemplo, geralmente se baseiam em relatórios onde apenas os argumentos científicos pesam na decisão final. Assim a relação entre saber e poder tem que ser estudada cada vez mais para informar a sociedade civil e permitir a volta da democracia contra um complexo técnico-científico em prol da exploração das riquezas naturais do país, que geram cada vez mais doenças. Com certeza, a agroecologia é o caminho para chegar até à saúde para todos.
Sébastien Carcelle, representante do GT Construção do Conhecimento Agroecológico no encontro
Se você quiser fazer parte do GT Construção do conhecimento, contate: Irene Cardoso – irene@ufv.br