O Encontro Nacional dos Grupos de Agroecologia (ENGA) foi criado em 2009, em paralelo ao Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), realizado em Curitiba (PR), evento acadêmico do campo agroecológico. A partir das experiências vivenciadas em 2009 foi criada em 2010 a Rede dos Grupos de Agroecologia (REGA). Para contar a história desse movimento conversamos com Heitor Mancini Teixeira, estudante de engenharia florestal da Universidade Federal de Viçosa (UFV), e integrante da REGA.
O estudante conta que acompanha os Encontros Nacionais dos Grupos de Agroecologia (ENGAS) desde sua criação em 2009, e explica que eles surgem a partir da necessidade de articular os diversos grupos no Brasil que trabalham a temática da agroecologia. As atividades visam proporcionar a troca de conhecimentos, o afinamento das ideias e a criação de pautas únicas entre os diversos grupos. Na entrevista a Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) ele apresenta algumas reivindicações dos grupos, e expõe expectativas sobre o próximo encontro nacional do movimento.
De 2009 para cá como se deu esse acúmulo de experiências? Como foi o amadurecimento do movimento, e quais os avanços desde então?
O primeiro ENGA foi organizado em Curitiba e teve como parceiro a Via Campesinacom uma participação mais forte. O encontro foi um grande sucesso apesar da falta de experiência em termos de estrutura e metodologia. Já no segundo ENGA, em Aldeia Velha (RJ), percebemos que o movimento estava crescendo muito, mas ainda com alguns problemas de organização: os espaços não começavam na hora, metodologias muito abertas, etc. Essas críticas foram amadurecidas e o processo foi ficando cada vez melhor. Sempre tentamos trabalhar nos ENGAS a estrutura coerente com a proposta agroecológica. Cada encontro é diferente do outro, mas percebemos no último, realizado ano passado em São Carlos (SP), um avanço muito grande nessa área. Desde os produtos de higiene (sabonete artesanal, shampoo natural, pó dental, etc) disponibilizados pela comissão organizadora, até o banheiro seco com os dejetos compostados posteriormente. A galera trampou muito antes do evento para viabilizar essa estrutura, foram construídas cisternas de captação de água, teve um mutirão para o plantio dos nossos alimentos, etc.
Estamos avançando muito também nas metodologias, temos incorporado muitas coisas do dragondreaming, que busca gerir projetos de forma sustentável e participativa. Um grande desafio é que nos organizamos por auto gestão, não tem hierarquia, é totalmente horizontal e não é tão fácil na prática. Nos primeiros encontros estávamos ainda ensaiando, quando você fala que uma coisa é sem hierarquia e auto gestionada não quer dizer que não vai ter em certos momentos uma liderançaou uma divisão de tarefas. A partir da experimentação e estudo vamos entendendo melhor essa questão. Avançamos muito nisso também, sendo que no último ENGA todos os espaços ocorreram de forma muito fluída. Além das vivências e oficinas, os espaços políticos e plenárias, foram bem organizados com encaminhamentos concretos.Mas ainda temos desafios, como a tomada de decisões fora dos espaços presenciais, como os ENGA’s. Por sermos um movimento nacional, às vezes precisamos tomar posicionamentos, como uma carta, e ainda enfrentamos certa dificuldade nesse sentido.
E do ponto de vista político, quais os temas debatidos nesses encontros?
Vemos a questão política de uma forma bem ampla, acreditamos que ela também está ligada ao nosso cotidiano, como a gente leva nossa vida e nossos princípios. Mas também discutimos posicionamentos políticos mais a nível nacional, como a questão da criação dos Pontos de Agrocologia nas comunidades, visando a descentralização dos recursos e maior facilidade de acesso por parte dos agricultores e da comunidade. Já há alguns anos, nossa Rede se articula com a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), o que aumenta nossa incidência política e possibilita o contato com diversas organizações e atores políticos.
Outra questão discutida dentro da REGA é a questão dos cursos de agroecologia que estão surgindo nas universidades e institutos de ensino. Achamos importante ter, até para profissionalizar a agroecologia, mas ao mesmo tempo temos que tomar cuidado para não nos limitar. Muitos professores e pessoas envolvidas nesses cursos estão inseridos dentro da lógica convencional, e acabam restringindo o pensamento agroecológico. Isso pode ser observado na falta de utilização de metodologias participativas e também no foco apenas em questões produtivas que se assemelham mais à discussão da agricultura orgânica,enquanto a agroecologia tem uma visão mais holística envolvendo várias esferas. A criação desses cursos pode ser interessante, mas defendemos que a agroecologia deve perpassar todos os cursos da universidade por ser uma ciência, uma prática e um movimento interdisciplinar. Geralmente isso não acontece nos cursos, que geralmente são orientados para a questão convencional do agronegócio e da grande produção. Aí que entra o papel dos grupos de agroecologia localmente para conseguir contribuir para a formação diferenciada de estudantes de outros cursos, como engenharia florestal, agronomia, direito, nutricionismo, etc.
A questão das sementes crioulas também é bastante forte dentro da Rede. Em determinados eventos, como o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado em Juazeiro (BA) no ano passado, nossa organização foi responsável pela Feira de Troca de Sementes, envolvendo muitos agricultores e uma grande variedade de sementes de todo o Brasil.
Como é a relação de vocês com os jovens do campo, e quais dificuldades e avanços eles enfrentam nos territórios?
Atualmente não temos muitos participantes da juventude rural que nasceu e sempre foi do campo, estamos tentando uma aproximação maior. Já tivemos relação com o MST e Via Campesina na organização dos encontros, nosso último sementário foi numa área do MST, mas ainda não tem uma grande participação. Por outro lado vemos muitas pessoas que participam da REGA e são da cidade indo ao campo, e achamos isso muito interessante. Precisamos fortalecer esse movimento de jovens que estudaram e passaram ou não por universidades e tenham essa vontade de morar no campo para produzir e muitas vezes não têm incentivos. Essa é uma pauta da REGA.
Nossa relação com a juventude do campo vai muito também com os trabalhos de extensão dos grupos de agroecologia. Porque não temos um trabalho da REGA com a juventude rural, e sim dos grupos que compõem a REGA. Muitas vezes,existe uma forte influência da cultura da cidade no campo. Nesse sentido buscamos valorizar a cultura do campo, mostrar como aquilo pode ser importante e saudável, questionando os estereótipos de miséria e atraso. Precisamos evoluir nesse pensamento e tentar trabalhar as coisas dialogando com as comunidades.
Qual a perspectiva do próximo ENGA?
Será no final de setembro deste ano em Belém, junto ao CBA. É muito legal porque tem muitos grupos que compõem a REGA, mas estão concentrados no sudeste e no sul, pouco no nordeste e menos ainda no norte. Então vemos um grande potencial em agregar os grupos da região e tentar incentivar essa discussão da agroecologia em lugares que não tem grupos. Já começamos esse contato com os grupos do norte e eles estão animados, o grupo Iara está acompanhando as discussões lá.
Nesse ENGA vamos continuar buscando a sustentabilidade do evento, com coerência entre prática e teoria. Estamos também bolando algumas estratégias para que a articulação com o CBA seja efetiva junto com a ABA. Estamos participando da organização do CBA, e pensaremos formas de contribuir com a questão metodológica e outras coisas. Surgiu a possibilidade darealização de um seminário para tentar aproximar as outras juventudes mais ligadas ao campo. Além disso, a proposta é ter um espaço permanente dentro do CBA, onde se crie uma instalação pedagógica com nossos materiais, sementes, estruturas de bioconstrução, para dialogarmos com o pessoal do Congresso. A idéia também é abrir o espaço para diferentes juventudes entre os diversos grupos que trabalham essa questão.
Realizamos também campanhas nacionais, como o maio agroecológico que é um mês onde tentamos articular os grupos do Brasil inteiro para atividades em busca de maior expressão nacional. Queremos que esse movimento cresça e outras organizações se unam a essa ideia e comecem a organizar coisas em maio. Temos também o encontro do sementário, que neste ano será em Caxambu (MG). No seminário, conversamos as posições políticas da rede e pensamos no fortalecimento das nossas pautas e ações coletivas.
(*) As fotos são do arquivo pessoal do entrevistado.