O Projeto “Desaguar” e os 20 anos da ABA-Agroecologia

Conheça o projeto de sistematização das memórias, aprendizados e desafios da 12º Edição do Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA)

Por Natália Almeida e Marília Nepomuceno

Foi preciso muita gente para segurarmos o céu. A construção do 12º CBA plantou sua primeira semente em junho de 2022. Durante a caminhada vivenciamos e produzimos diversos processos, atividades, oficinas, materiais e sentidos, que foram intensamente cultivados, e desaguaram na realização do Congresso Brasileiro de Agroecologia do ano de 2023, um Congresso que aconteceu pós um período nacionalmente desafiador, político e socialmente, pós impeachment da presidente brasileira seguido da ascensão da extrema direita à presidência do país na eleição seguinte. Cabe ainda relembrar que o CBA Sudeste também acontece após a maior crise sanitária mundial das últimas décadas (Covid 19) e interrompe o calendário periódico que previa um Congresso em 2021. 

Desaguando quatro anos sem encontros nacionais do movimento agroecológico, o 12º CBA no Rio de Janeiro significou o romper de muitos encontros represados. O Congresso buscou refletir  sobre os desafios contemporâneos, como a crise ambiental alastrada e agravada em todos os biomas brasileiros diante do câmbio climático, a utilização de agrotóxicos e transgênicos, lançando luz especialmente sobre os modos de vida e legados ancestrais.

No centro do Rio de Janeiro, no bairro da Lapa, essa edição do congresso fomentou e ampliou o CBA afirmando o lema “Agroecologia na Boca do Povo”. O evento de 2023 é o sucessor do 11° CBA ocorrido anteriormente em Sergipe, em 2019, herdando o acúmulo de um processo de construção coletiva de duas décadas, inspirado por todos os desafios e aprendizados anteriores. 

Além de representar a continuidade e ampliação de novas pautas e temas geradores de espaços e perspectivas dentro do congresso, e também da agroecologia. Em Sergipe experimentamos pela primeira vez a realização do congresso em uma Universidade Pública, preocupado em colocar povos e comunidades populares e tradicionais no centro do debate agroecológico. 

Além de ser aprendiz do legado do 11º Congresso, o CBA de 2023 recebeu também o legado do 4º e último Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), ocorrido em 2018, que ensinou no mínimo dois elementos estruturantes e norteadores para o evento. Foi em 2018 durante o ENA que fomos convidados a ocupar as praças públicas, para que no ano de 2023 conseguíssemos levar essa aprendizagem muito a sério e nos espalhamos por muitos e diferentes espaços no bairro da Lapa, centro histórico do Rio de Janeiro. 

Foi escolhido um lugar de disputa social e de relevância para o diálogo de pautas mestras: a popularização do debate da agroecologia na rua e o enfrentamento aos nossos desafios históricos, os desafios étnicos-raciais e de classe, que saltam tanto atravessam a vida na segunda maior cidade do Brasil. A popularização das discussões, às vezes ainda tão concentradas em grupos específicos da sociedade, foram chaves que guiaram muitos de nós para a realização do 12º CBA, em 2023.

1) 12º CBA em Números

Foram mais de 4.700 pessoas inscritas nesta edição do Congresso que ocupou mais de 22 espaços diferentes no centro da cidade do Rio de Janeiro. Foram mais de 42 frentes de trabalho, mais de 3 mil trabalhos organizados em 16 eixos temáticos, através dos Tapiris de Saberes que estavam acontecendo nas 55 salas simultâneas, reunindo para o diálogo acadêmicos/as, técnicos/as e agricultores/as, dentre a tecitura de uma rede imensa de instituições de ensino, pesquisa e extensão reunida e em diálogo com outros coletivos, redes, setores e grupos dedicados ao fortalecimento da construção do conhecimento agroecológico no Brasil, nas Américas, em África e no mundo.

O Congresso contou com a presença de 1.643 agricultores e agricultoras familiares, representantes de povos indígenas e povos e comunidades tradicionais. Por meio de diferentes estratégias metodológicas, o CBA criou ambientes para a expressão da ciência do povo, junto ao Terreiro das Inovações Camponesas, Cozinha das Tradições, Tenda da Saúde, Cuidado e Cura, Feira Nacional da Agroecologia e Economia Solidária. Essas sabedorias foram expressas também em forma de arte, especialmente no I Festival de Arte e Cultura da Agroecologia e no II Festival Internacional de Cinema Agroecológico.

Os saberes populares foram expressos também em formato acadêmico em estreita relação com a produção científica de pesquisadores/as, educadores/as e estudantes. Nossos Tapiris de Saberes, nos quais foram apresentados 2.738 trabalhos e reunindo para o diálogo acadêmicos/as, técnicos/as e agricultores/as. Tal dimensão não teria sido possível sem a extensa rede colaborativa formada por 770 avaliadores/as apoiadas por 56 coordenadores/as de eixos temáticos. 

Mais uma vez a atenção foi voltada à produção do conhecimento agroecológico, que, sem sombra de dúvida, prescinde dos povos e comunidades populares e tradicionais de nosso país. Assim como também houve dedicação significativa da atenção à alimentação centrada nas dimensões e camadas da cultura. 

Cerca de 25 toneladas de comidas agroecológicas abasteceram o 12º CBA, desta quantidade foram doados 6,5 toneladas de alimentos para grupos e entidades parceiras, antes, durante e após a realização do congresso. O CBA serviu 23.000 refeições, com alimentos agroecológicos produzidos por 6 grupos do estado do Rio de Janeiro e de outros territórios, com uma equipe de preparação e distribuição que mobilizou mais de 40 companheiras e companheiros. 

Contamos com 32 barracas de grupos e empreendimentos de economia solidária e agroecologia que compuseram as “Comedorias” do Congresso. 260 produtores e produtoras estiveram na “Feira de Sabores e Saberes: Agroecologia e Economia Solidária”. Na feira da agrobiodiversidade, participaram aproximadamente 70 guardiãs e guardiões da biodiversidade de diversas partes do país. E a gestão de resíduos sólidos do CBA trouxe a proposta da segregação de resíduos em articulação com o Movimento Nacional de Catadores de Recicláveis, contabilizando aproximadamente 9,5 toneladas de resíduos orgânicos destinados para a compostagem e 2 toneladas de materiais recicláveis para a cooperativa de catadores e catadoras de resíduos recicláveis.

Diante desse contexto potente e animador de construção de uma vasta e diversa inteligência coletiva disposta a enfrentar as crises e os desafios do mundo contemporâneo, as memórias que permearam a realização do 12CBA navegaram por muitos afluentes, foram represadas e também esparramadas junto a realização do Congresso. Hoje, essas águas já abastecem e nutrem outros mananciais. E diante disso tudo é chegado, então, o nosso momento coletivo de DESAGUAR! De fevereiro até novembro de 2024 a ABA-Agroecologia realiza o projeto de Sistematização e Memória do 12º CBA, nomeado enquanto “Projeto Desaguar”. 

2) O que é o projeto Desaguar?

No centro dos desejos está a vontade de explorar os aprendizados e desafios que estiveram em torno da execução dos dias de culminância do CBA, mas, sobretudo, refletir e registrar quais foram as principais potências, gargalos e legados dessa construção que envolveu meses de trabalho, uma rede ampla de organizações e muitas pessoas. 

O projeto “Desaguar – memórias e aprendizados do 12ºCBA” é expressão do compromisso da comissão local da última edição do Congresso e da Diretoria atual da ABA-Agroecologia em compartilhar publicamente e aprofundar os desafios e as lições aprendidas nessa caminhada.

A iniciativa tem coordenação compartilhada de Marília Nepomuceno e Natália Almeida que fazem, respectivamente, costuras internas entre a equipe, os prazos e os recursos, e com o interior da Associação. Na equipe fazem parte Natália Vasconcelos (secretária executiva geral), Thais Souza (articuladora interna e ex – integrante da coordenação geral do CBA), Amanda Torres (gestora financeira do projeto) e Muriel Duarte (que compôs a equipe de relatoria e sistematização gráfica da última edição). Esta coletiva e suas integrantes cumprem o papel de sistematizar, organizar memórias e tecer diálogo com as mais de 42 comissões e frentes de trabalho do 12º CBA.

O projeto Desaguar, com previsão de duração até novembro de 2024, tem um imenso desafio, pois como haveria de mergulhar em todas as águas, afluentes e processos que movimentam um Congresso de tão grande dimensão? Foi preciso fazer escolhas com muita atenção e reflexão coletiva. Não seria possível ouvir todas as pessoas e coletivos envolvidos. Foi preciso então lançar mão de estratégias e fazer, coletivamente, priorizações.

A proposta é que este processo de sistematização, memória e cuidado com a partilha dos resultados e aprendizados possa garantir diferentes momentos presenciais e virtuais onde diversas pessoas e organizações serão ouvidas. 

Destaca-se a produção de um caderno que aponte os acúmulos das comissões na realização desta edição do Congresso; a mobilização de encontros que possam refletir e debater sobre o papel dos CBAs na construção do conhecimento agroecológico e da própria Associação e seus 20 anos de existência. Aponta-se ainda a necessidade de mergulharmos nas memórias da frente de alimentação e da equipe de Ciências e Saberes, responsável pela organização dos Tapiris do Congresso. 

3) Compromisso com a avaliação e com os novos rumos dos CBAs: O que, na prática, significará sistematizar aprendizados e organizar memórias?

São inúmeros os investimentos necessários para erguer um CBA e desde o início da trajetória em torno da edição Sudeste (2023) habitava na coordenação local, o empenho para garantir recursos que pudessem não só custear as apostas feitas nesta edição, como garantir saldos positivos para a gestão da ABA-Agroecologia, com recursos qualificados para executarmos um processo de sistematização com fôlego – tempo e profundidade.

Um processo de sistematização coerente não tem como foco central apenas celebrar nossos acertos, iluminar nossas grandezas e elencar números ou determinados avanços. Nessa caminhada, apesar de todas as comissões locais das edições anteriores sempre se dedicarem ao cuidado com relatórios e, em diferentes graus com processos de organização metodológica, essa é a primeira vez que uma iniciativa de sistematização de um CBA atravessa os processos de planejamento e reestruturação da Associação. 

Ao se tornar o maior Congresso de Agroecologia da América Latina, não só pelo número de participantes, mas sobretudo pela diversidade de experiências relatadas, os CBAs vem edificando ambientes plurais de encontro, intercâmbio, troca de saberes, conexões, fortalecimento das Instituições de Ensino, Pesquisa e Extensão, visibilização pública e articulação de políticas públicas.

Os Congressos Brasileiros de Agroecologia (CBAs) já assumiram muitos formatos, já acumularam conquistas da construção de coerência e prática em muitos níveis, mas estão inseridos em um tecido imbricado que nos desafia a repensar a ciência, o acesso ao ensino e enfrentar tantas outras desigualdades históricas. Os CBA também ocupam lugar específico no fortalecimento do movimento agroecológico como um todo e vem progressivamente travando aproximações relevantes com a Articulação Nacional de Agroecologia (ANA).

4) O que já aconteceu, os 20 anos de ABA-Agroecologia e o próximo CBA

facilitação gráfica de Raíssa Theberge

Em fevereiro de 2024, pós período carnavalesco, entre 23 e 25 do mês, aconteceu o 1º Encontro de Memória e Sistematização para Avaliação da 12ª edição do Congresso Brasileiro de Agroecologia, em São Pedro da Serra, no estado do Rio de Janeiro.

Na ocasião iniciamos o planejamento e o processo estendido de avaliação, balanço e memória do Congresso, junto a integrantes da comissão local do 12CBA, representantes da nova diretoria da ABA e componentes de algumas comissões organizadoras.

No centro das discussões e conversas esteve explícito o desejo de explorar a culminância do CBA, e tratar o processo de memória e sistematização do Congresso como um processo capaz de refletir e registrar os principais gargalos, desafios, aprendizagens e legados deixados pela edição de 2023.

A posteriori, em 18 de abril foi realizado um momento ampliado de avaliação onde todas as comissões do 12º CBA, representantes das universidades, movimentos sociais e grupos de trabalho da associação estarão presentes. Nesse momento, houve ainda reunião de planejamento da diretoria da ABA, onde foi priorizada a escuta aos GTs, integrantes dos conselhos editoriais e outros coletivos de associadas/os.

Para o segundo semestre do ano estão sendo preparados mais dois encontros presenciais que se debruçarão sobre as aprendizagens produzidas através da frente de alimentação do Congresso e a frente de trabalho que cuida das ciências e saberes, lidando com os Tapiris de Saberes durante o Congresso.

Neste percurso há diversas formas de participar, opinar e dividir conosco a travessia coletiva de avaliar o último Congresso, sistematizar as lições aprendidas e apontar horizontes para os futuros processos mobilizadores da ABA na construção do conhecimento agroecológico.

Para saber mais: cbamemoria@gmail.com

MATERIAIS 12CBA

>>>>> Para acessar os diversos álbuns de fotos do CBA 2023: https://www.flickr.com/photos/200256103@N06/albums/

>>>>>> Para baixar a apresentação síntese sobre “Legados, Números e Novos Afluentes – Pós 12º CBA”, clique aqui:

Veja também