Como se constrói um País visando o seu desenvolvimento na economia, na cultura – e aqui fazemos uma referência direta às questões alimentares, sejam estas voltadas às políticas agropecuárias que incidem na produção, na distribuição e logística, comercialização e consumo de alimentos – na política, na saúde e educação enfim, na sociedade em suas distintas dimensões sob a ótica da Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional?
Por que uma “proposta de reestruturação” de uma instituição pública – como a Embrapa – foi concebida à revelia dos seus membros e membras, bem como da sociedade que criou e sempre financiou essa instituição? Ou ainda, a quem interessa uma “proposta de reestruturação” que só beneficia a um tipo de agricultura e a um grupo privado particular?
Certamente as resposta as essas perguntas não cabem nos graves encaminhamentos políticos e institucionais da atual diretoria da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), um patrimônio da sociedade brasileira que, ao longo das últimas décadas vem sofrendo com os sucessivos desmontes que, em que pese todo o seu reconhecimento científico no Brasil e em outros países, tem se prestado às práticas entreguistas e subservientes voltadas a atender, quase que exclusivamente, aos agronegócios de monocultivos destinados à exportação (commodities).
Ao longo da sua existência a sociedade brasileira, mediante as políticas públicas, tem avançado na construção de diferentes tipos de infraestrutura da Embrapa com vistas a atender as distintas demandas sociais e econômicas do país. O histórico desse passado recente se reflete na formação de cientistas, técnicos e técnicas nas mais diversas áreas do conhecimento, bem como na produção e partilha de tecnologias respondendo assim, a esse investimento público custeado pela sociedade com contribuições múltiplas, diversas e relevantes.
Vale mencionar que, historicamente, algumas unidades da Embrapa têm ungido esforços importantes no campo da construção do conhecimento agroecológico destinando tempo e tecnologias, bem como construindo nos diferentes territórios laços de solidariedade e respeito nas relações entre sociedade e natureza. Mencionam-se ainda os empenhos para constar no portfólio da empresa um conjunto de ações estratégicas para a contribuição à agroecologia, agricultura familiar, povos originários (de distintas etnias) e povos e comunidades tradicionais.
Contudo, a diretoria da Embrapa alinhada com o atual governo, cujo projeto político é servir às empresas do setor do agronegócio, e não à sociedade brasileira, a empresa segue seu trágico caminho rumo ao desmonte irreversível. Capturada politicamente pelo agronegócio no qual o projeto é usá-la “socializando” os custos como infraestrutura básica e técnico-científicas, formação de cientistas, produção de conhecimento nada crítico, e privatizando o lucro para as empresas do setor do agronegócio está sucumbindo. Trata-se, portanto, da técnica mais comum da política privatista. Na prática, esse caminho – de privatização indireta – excluirá de forma ainda mais cruel, a agricultura familiar, a agroecologia e todo e qualquer direcionamento à soberania e segurança alimentar e nutricional da população brasileira, das disputas por políticas públicas (de fato públicas), recursos e ações voltadas à produção e aplicabilidade de conhecimentos que sejam inclusivos e que tenham como princípio o respeito às diversidades. Já que em se tratando do agronegócio, o monocultivo, a prioridade à exportação e o desrespeito são os seus pilares.
Um futuro com a Embrapa indiretamente privatizada e com sua área de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) centralizada em sua sede em Brasília, significa a internalização e a institucionalização da sua atuação na pesquisa, especialmente agropecuária que produz, reproduz, fortalece e perpetua as desigualdades sociais, econômicas, políticas, tecnológicas e culturais hoje vigentes no país.
Entre outras implicações, cabe ressaltar que a Embrapa estará contribuindo de forma indecorosa para: i) o aumento da pobreza e da a fome no campo, nas cidades e nas florestas ao priorizar monocultivos voltados à exportação, ii) a uniformidade genética e portanto a vulnerabilidade e a erosão genéticas com a redução drástica e irreversível da sociobiodiversidade, iii) a contaminação pelo uso crescente de agrotóxicos (incluindo os proibidos em outros países), iv) a devastação dos distintos biomas, habitats e territórios de povos originários, de comunidades rurais tradicionais, quilombolas, ribeirinhas, de fundo de pasto, quintal (entre outras) – como já vem sendo operado nos últimos anos, v) a destruição de modos de vida dependentes das agriculturas familiares que lhes são constitutivos, vi) a deterioração da saúde humana e do ambiente (dos biomas e das águas) entre outros desastrem imensuráveis.
Evidencia-se ainda que tal decisão foi concebida, conduzida e implementada a “portas fechadas” trazendo à tona o seu caráter autoritário típico desse alinhamento oportunista entre a direção da Embrapa, representantes do atual governo e empresas interessadas. A gravidade também passa pela dimensão da moralidade. Em última instância, são agentes públicos que possuem seus salários pagos pela sociedade brasileira que estão à frente desse processo de entrega e submissão aos interesses do setor privado.
As respostas às perguntas iniciais dessa nota é: um País desenvolvido se constrói com igualdade e equidade social e econômica – de gênero, classe, raça/etnia -, justiça e ética social e ambiental e tem como princípio a democracia e a construção de conhecimentos críticos e propositivos, que atendam aos anseios da sociedade e não aos interesses de um único setor tal como o agronegócio. A Embrapa pode sim fazer parte dessa construção!
Assim, nós que fazemos parte da Associação Brasileira de Agroecologia/aba-agroecologia, estamos aqui para enaltecer a importância da Embrapa na construção do conhecimento agroecológico, bem como na condução de importantes políticas voltadas às questões agrícolas e, sobretudo, denunciar à sociedade brasileira a forma vil e leviana que esta empresa vem sendo – sorrateiramente – usurpada para atender aos interesses do agronegócio. Enterrando, por assim dizer, todo o seu compromisso moral e ético para a construção de um Brasil mais justo, equânime e solidário.
Conclamamos às organizações e movimentos sociais, profissionais, pesquisadores e pesquisadoras das mais distintas áreas do conhecimento, ativistas, técnicos e técnicas, agricultores e agricultoras que façam ecoar suas vozes e mensagens em defesa da nossa Embrapa.
Associação Brasileira de Agroecologia/aba-agroecologia
Fevereiro, 2022.