Entre 30 de setembro e 04 de outubro, aconteceu a I Semana de Agroecologia na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), em Guarapuava-PR. Organizada pelo Núcleo Multidisciplinar de Estudos em Agroecologia e Produção Orgânica da UNICENTRO (NEA), a semana acolheu diferentes atividades, com o objetivo de promover reflexões sobre a relação entre a terra, o território e a vivência na perspectiva da agroecologia como projeto de vida.
E esse foi o tema da palestra de abertura do evento, pelo engenheiro agrônomo Leonardo Melgarejo, Vice-Presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA). Melgarejo, na ocasião, ressaltou a importância de alertarmos para a singularidade de nossa planeta. Só na Terra encontramos as condições ótimas para a existência da vida, de uma forma que todas as espécies estão entrelaçadas e interdependentes.
Do ponto de vista da genética, Melgarejo enfatizou que todas as espécies compartilham o código genético em algum grau. Por exemplo, seres humanos e ratos partilham 85% dos genes; temos mais semelhanças do que diferenças entre nós e os seres não-humanos.
Ponto importantíssimo destacado pelo palestrante foram as consequências do uso massivo de agrotóxicos. Entre eles, a crescente morte de pássaros, abelhas e insetos em geral. No Brasil, tem sido cada vez motivo de maior alerta a contaminação das águas. Somente nesse ano, houve a liberação de 353 agrotóxicos; se somarmos a quantidade de substâncias desde 2016, são mais de 1.000 substâncias liberadas. No entanto, o Ministério da Saúde monitora apenas 27 produtos. Na verdade, não sabemos exatamente o que estamos colocando em nosso corpo no ato de beber um simples copo de água, pode ser que estejamos somando ainda mais venenos àqueles consumidos nos alimentos. Vale a pena lembrar o Mapa da contaminação da água, divulgado no site Por Trás do Alimento, fruto de uma investigação em conjunto realizada pela Repórter Brasil, Public Eye e Agência Pública. Mesmo considerando apenas os 27 agrotóxicos, os índices são alarmantes, em especial no Paraná, estado onde há um monitoramento mais eficiente, mas também o uso massivo desses produtos em monocultivos de OGMs.
Melgarejo mencionou os recentes incêndios na Amazônia, provocados por ruralistas, e não por ONGs ou por grupos indígenas. Devasta-se a floresta para colocar em seu lugar gado, e soja e milho transgênicos. Há danos incalculáveis à Amazônia, aos povos que nela habitam, especialmente aos indígenas, mas também à toda a América do Sul, que depende dos “rios voadores” para a fertilização de suas colheitas e o abastecimento de água dos rios e nascentes.
Somente uma perspectiva agroecológica pode ser sustentável ao longo do tempo. A agroecologia é a possibilidade de cura para esse estado de coisas. Mais ainda, defender a agroecologia, é defender os direitos humanos, afirmou o palestrante.
A Semana de Agroecologia da UNICENTRO abrigou também palestras e uma série de oficinas, em seus dois campi em Guarapuava (Santa Cruz e Cedeteg) e na UTFPR: Separação de lixo e reciclagem; Fermentação Natural; Homeopatia; Minhocário; Proteção de Nascentes.
O evento foi parte de um esforço que começou há mais de dez anos, quando um grupo de agricultores, funcionários e professores criaram a Feira de Agroecologia da UNICENTRO, em 30 de abril de 2009, liderados pelo professor Jorge Luiz Favaro, principal incentivador da agroecologia na universidade. Hoje a Feira é realizada em quatro locais, às terças, quartas e quintas-feiras: em Guarapuava, nos campi Cedeteg, Santa Cruz e na UTFPR, e no campus de Irati.
A semana se encerrou na sexta-feira, dia 04, com a realização de uma audiência pública sobre o uso de agrotóxicos. Promovida pelo Ministério Público do Trabalho, na ocasião foram apresentados números sobre o uso de agrotóxicos na região e a população pôde fazer questionamentos e comentários sobre o tema.
Audiência Pública
Na Audiência, o Ministério Público propôs que os municípios criem suas próprias políticas de redução de agrotóxicos, pois tem sido muito difícil a aprovação em âmbito nacional. Essa política basicamente prevê a redução gradual e constante do uso desses produtos, ações integradas para fiscalização, atualização dos registros, bancos de dados mais transparentes a respeito do tema e a implementação da vigilância de saúde pública para a população exposta. A política deveria instituir também a proibição do uso de agrotóxicos nas proximidades de moradias, escolas, recursos hídricos, terras indígenas e áreas ambientalmente protegidas.
É estimulante que eventos como esse aconteçam, pois nos dão esperança, em meio ao contexto que estamos vivendo, com a liberação de tantos agrotóxicos, políticas abertamente favoráveis ao agronegócio e desmandos na área ambiental. Que venham outras semanas como essa pelo país afora, pois discutir e praticar agroecologia é ir em direção aos direitos dos humanos e dos não-humanos, é proteger a vida, e é garantir o futuro.
Texto por Elenita Malta Pereira, Doutora em História (UFRGS), Professora de História na UNICENTRO