
Dentre os anúncios do lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar, realizado em uma solenidade no Palácio do Planalto, em Brasília (DF) no último 30 de junho, destacamos o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que cria o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara).
O Pronara articula iniciativas da Secretaria-Geral da Presidência da República e dos ministérios do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar, da Agricultura e Pecuária, da Saúde, do Meio Ambiente e Mudança do Clima, e do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
O lançamento do programa é mais um passo na caminhada da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA-Agroecologia), que, ao lado de dezenas de outras instituições, organizações e movimentos sociais, vêm há mais de 20 anos denunciando os danos dos agrotóxicos e do agronegócio, e anunciando a agroecologia como solução para garantia da soberania e segurança alimentar, da justiça, da saúde e da dignidade da população brasileira.
“Graças ao trabalho contínuo e realizado coletivamente, em parceria com movimentos sociais, organizações da sociedade civil, ativistas e pesquisadores/as comprometidos/as com a saúde pública, o meio ambiente e a soberania alimentar, estamos celebrando mais esse passo importante na conscientização da população brasileira sobre os danos dos agrotóxicos e do agronegócio”. diz José Nunes da Silva, presidente da ABA-Agroecologia.
Uma caminhada rumo ao Pronara
Um marco dessa caminhada foi o ano de 2011, quando a ABA-Agroecologia criou, em parceria com movimentos sociais, organizações, entidades científicas, conselhos profissionais, ONGs, grupos de consumo responsável, dentre outros, a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida, uma rede de denúncias sobre os agrotóxicos. Além disso, a associação mantém o seu Grupo de Trabalho (GT) Contra os Agrotóxicos e Transgênicos, que está sempre estudando, articulando e debatendo os efeitos dos agrotóxicos em todas as escalas. Além de fazer parte da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) que discute o tema desde a sua criação em 2012.
A ABA-Agroecologia tem acompanhado diretamente a construção do Pronara desde 2014, através do GT Contra os Agrotóxicos e Transgênicos, e também junto a seus outros GTs e pesquisadoras/es associadas/os.
Mais sobre o histórico da ABA-Agroecologia no Pronara
– “Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara) resulta de demanda da sociedade”, diz pesquisador
– Movimentos sociais se reúnem com governo para avaliar Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica

A CNAPO elaborou o primeiro desenho do Pronara em 2015. Desde então, a proposta do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos foi levada para apreciação do governo e passou por revisões e atualizações ao longo dos últimos anos. A Comissão foi obrigada a paralisar suas atividades entre os governos dos ex-presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro, e os processos de revisões e atualizações foram retomados em 20 de novembro de 2023, durante as atividades de abertura do 12º Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), em uma solenidade que reuniu ministros e gestores de diversos órgãos públicos federais envolvidos com a agroecologia e o abastecimento alimentar no país.
Embora tenha demorado 10 anos para ser instituído, o Pronara sempre foi uma das pautas prioritárias no debate a favor da transição agroecológica. A Associação tem contribuído não só com as revisões e atualizações das proposições, como também pautando e discutindo com a sociedade a ideia de que o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos é essencial para a atualização do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), criado em 2012. Além disso, o Pronara pode ajudar a executar algumas ações estratégicas, especialmente após mais liberações de uso de agrotóxicos por parte do governo federal.
Fernanda Savicki de Almeida, ex-presidenta da ABA-Agroecologia, co-coordenadora do GT contra Agrotóxicos e Transgênicos e pesquisadora em saúde pública da Fiocruz Ceará, tem representado a Associação dentro do subgrupo temático do Pronara da CNAPO desde a retomada da Comissão, em 2023. Ela conta que essa é uma vitória frente aos retrocessos que seguem acontecendo, mesmo com a vitória de candidatos de centro-esquerda nas eleições presidenciais de 2022.
“É justamente por conta do cenário político que a gente tem vivido que celebramos a criação do Pronara. Estamos vivendo um contexto de enfrentamento ao agronegócio e aos agrotóxicos, com o PL do Veneno sendo aprovado e todas as questões conjunturais de um Congresso extremamente conservador, de uma bancada ruralista nunca antes tão grande, tão ativa e tão influente nas questões governamentais e políticas no Brasil. Então, dado este cenário, é o momento sim de celebrar, porque foram dez anos de tentativas de assinar o Pronara, muitas vezes em conjunturas bem mais favoráveis do que a atual. Definitivamente é um marco, é um momento de fato importante”, diz Fernanda.
Ao lado de Fernanda, William Assis, membro do GT contra Agrotóxicos e Transgênicos e professor da UFPA, também representou a ABA-Agroecologia no subgrupo Pronara da CNAPO, que realizou a atualização das propostas do Pronara.
O trabalho continua após a criação do Pronara
Agora a ABA-Agroecologia segue em luta, juntamente com as outras entidades envolvidas, para que o Pronara seja implementado com metas precisas e com orçamento alocado para cada uma das ações estratégicas. O objetivo é que ele deixe de ser apenas mais um decreto do Plano Safra da Agricultura Familiar e se torne realidade.
“A partir de agora seguimos pressionando o governo para a gente ter uma dotação orçamentária concreta, que seja construída e voltada única e exclusivamente para o programa. Isso vai garantir que ações sejam de fato implementadas. Outra questão é planejar as ações contínuas, que dêem um caráter permanente para o programa. Isso para não corrermos o risco de, em uma eventual troca de governo, o programa seja sucateado ou desapareça”, completa Fernanda.
Os desdobramentos do Pronara já estão em curso. Nesta terça-feira, 8 de julho, a Fiocruz e a Campanha Contra os Agrotóxicos lançaram uma nota técnica sobre a implementação do Pronara, apontando a urgência de ações imediatas, como a provação um plano com base nas propostas de ações já desenvolvidas no processo de construção do Pronara, em que cada ministério se comprometa com ações concretas, prazos e indicadores buscando o objetivo principal do Pronara, que é reduzir o uso de agrotóxicos no Brasil.
Apesar de haver questões que precisam de alinhamento, e pontos do texto do decreto do Pronara que precisam ser melhor esclarecidos, a sociedade civil, os órgãos governamentais, as instituições de saúde e de meio ambiente, as organizações e os movimentos, esperam que o Pronara promova recursos viáveis para a produção de tecnologias e inovações agroecológicas; para a realização de pesquisas científicas, e de monitoramento de resíduos de agrotóxicos; para o fortalecimento da assistência técnica; e para a ampliação do uso de bioinsumos.
Como o Pronara vai melhorar a nossa vida?
Uma alimentação saudável e livre de agrotóxicos, maior consciência sobre os danos do uso desses venenos químicos, e até melhorias no modo de encarar a vida e as relações entre as espécies que habitam o planeta. Espera-se que, com um orçamento coerente com suas propostas, relacionadas com a promoção da agroecologia e do Bem Viver nos territórios brasileiros, o Pronara tenha recursos capazes de qualificar o monitoramento da saúde humana e da saúde dos territórios. Melhorando o monitoramento, a população brasileira vai ter dados muito mais realistas sobre os danos da exposição aos agrotóxicos no Brasil, e condições de exigir e construir ações mais assertivas com o objetivo de cuidar das pessoas e do meio ambiente.
Além disso, por meio de recursos do Pronara, será possível por exemplo preparar, ambientar e sensibilizar profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS) para acolher melhor as populações expostas a agrotóxicos. Especialmente no contexto atual, em que agrotóxicos estão sendo usados como armas químicas no Brasil, em ataques a comunidades brasileiras. O programa ainda pode incentivar o cultivo de plantas medicinais e fitoterápicos não expostos aos agrotóxicos, gerando produtos mais coerentes com o uso medicinal.
Espera-se que o Pronara incentive práticas de sistemas produtivos de base agroecológica, ampliando e fortalecendo territórios em que as ações são baseadas no respeito à terra e aos seres vivos que nela habitam. Assim, a agricultura familiar, as agriculturas tradicionais, e os sistemas agroalimentares contra-hegemônicos devem ser beneficiados.
Com isso, a produção orgânica e agroecológica de alimentos pode ser ampliada no Brasil, reduzindo os preços desses produtos e aumentando a oferta, beneficiando as populações de baixa renda. Com o aumento da produção de alimentos agroecológicos, a agropecuária pode se tornar mais biodiversa, reduzindo impactos causados por desmatamento e fazendas de confinamento. Programas nacionais de alimentação e abastecimento, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), podem ser beneficiados com a inclusão de alimentos orgânicos em seus cardápios.
Com todas essas possibilidades, o Pronara é uma ferramenta importante no caminho da transição agroecológica, que segue o seu rumo de fomentar práticas agroecológicas, resilientes e saudáveis em todo o território brasileiro. Juntamente com outros programas, iniciativas, práticas e diferentes ações em diversas frentes de trabalho, caminhamos com o objetivo de consolidar um país agroecológico.