A Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO), formada por integrantes da sociedade civil e do governo federal, aprovou no dia 08 de agosto o mérito do Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos (Pronara). Graças à mobilização social foi possível avançar em sua construção, mas os movimentos agroecológicos acompanham o processo com receio de o projeto ficar só no papel.
O combate aos agrotóxicos é uma das principais bandeiras na agroecologia mundial, e o Brasil lidera disparadamente o consumo dessas substâncias há anos. Para analisar esse cenário complexo, conversamos com Leonardo Melgarejo, especialista sobre o tema. O pesquisador explica em que contexto aparece o Programa, quais as reivindicações dos movimentos e temas mais sensíveis a tratar com o governo. Segundo ele, evidências científicas dão sustentação ao Programa cujas ações estão previstas para a partir de 2015.
Leonardo Melgarejo é engenheiro agrônomo, mestre em Economia Rural e doutor em Engenharia de Produção. Extensionista rural da EMATER-RS, atua no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra-RS), e coordena o Grupo de Trabalho (GT) Agrotóxicos e Transgênicos da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
Qual a expectativa do campo científico da agroecologia em relação ao Pronara?
A existência de um Programa Nacional para a Redução de Uso de Agrotóxicos é resultado de evidências acumuladas no campo científico: os agrotóxicos são venenos de enorme agressividade. Não são “defensivos”. Eles agridem os seres vivos por inalação, ingestão e contato, causando danos imediatos e de longo prazo, e é vasto o acúmulo de estudos que comprovam estes fatos.
A agroecologia contribui com a formação destas evidências científicas, e vai além. Ela afirma que os processos produtivos devem manter a visão sistêmica, integrando e articulando processos que se combinam e sucedem, numa realidade onde não há espaço para “espécies campeãs”.
A Agroecologia mostra que as monoculturas são inviáveis por definição. As grandes áreas com plantios uniformes constituem afronta à natureza e só se mantém a custa de artificialismos ilustrados claramente pelo uso massivo de agrotóxicos e agroquímicos. O envenenamento geral surgiu e se firmou como necessidade quando a interconexão e as sinergias oferecidas pela multicultura foram eliminadas da racionalidade produtiva dominante. Ele resulta de uma opção produtiva que sofre de grave miopia de curto prazo, e por isso vem exigindo banhos de veneno que o PRONARA tentará reduzir, e que a Agroecologia mostra não serem necessários.
O PRONARA parte de evidências científicas e dados de uma realidade dramática, para recomendar medidas de políticas que reduzam a presença dos agrotóxicos nos depósitos, nas prateleiras, nas lavouras, no solo, nas águas, nos alimentos, nos centros de saúde e nos hospitais do Brasil.
A Agroecologia seguramente contribuirá com isso. Ela propõe bases para o desenvolvimento de tecnologias, formas, processos e sistemas de produção mais estáveis e menos perigosos para a natureza, para os trabalhadores e para os consumidores. Os membros da ABA esperam que o governo abrace o PRONARA. O campo científico coberto pela Agroecologia seguramente contribuirá para isso.
Em que conjuntura ele está sendo construído e de que forma?
O PRONARA resulta de demanda da sociedade. E é uma demanda urgente pois o medo de danos causados pelos alimentos que oferecemos às crianças e a indignação geral com informações do acúmulo de venenos nos mananciais de água constituem uma espécie de unanimidade nacional. A evidência do acúmulo de alergias, de vários tipos de câncer, de crimes ambientais, de comprometimento do futuro de todos é escandalosa e nos une contra os agrotóxicos.
Entretanto, ainda que todos os brasileiros apoiem campanhas contra o uso de agrotóxicos, alguns poucos ganham muito dinheiro com isso e atuam no sentido contrário.
E aí temos a grande contradição deste tema: o agronegócio exportador produz, compra e vende os venenos de que necessita para manter as monoculturas artificializadas em que se apóia, e seus aliados nos poderes executivo, legislativo e judiciário dificultam qualquer medida que possa contrariar seus interesses.
Portanto, o PRONARA está sendo construído em um cenário complexo. De um lado se observa grande apoio social, de outro se constata grande reação dos grupos econômicos.
Felizmente o centro de governo reconhece a importância de atender a demanda da maioria, e ao criar o PLANAPO abriu a discussão sobre o PRONARA, que lhe é condicionante. Sem o PRONARA a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica não existirá, e os brasileiros sabem disso.
E é possível otimismo pois o PRONARA está sendo construído de forma realista, com participação dos Ministérios do meio Ambiente, da Agricultura, da Saúde, do Desenvolvimento Agrário, da Ciencia Tecnologia e Informação, da Justiça, de autarquias como a Embrapa, o Incra, a Anvisa, o IBAMA, o ICMBio e de organizações e movimentos sociais como a ABA, o MPA e muitos outros. As negociações envolvidas certamente levarão a resultados positivos e os avanços até aqui consensados são estimulantes. Enfim, ainda que desagradando a alguns e não atendendo completamente a outros, o PRONARA está sendo construído de forma republicana, olhando para as necessidades e respeitando os interesses da maioria.
Quais os seus principais avanços e temas mais difíceis de colocar em prática?
O principal avanço é a existência do PRONARA e o processo que lhe deu origem. A certeza de que ele é crucial para a PLANAPO e a constituição de grupos de trabalho multifuncionais onde qualquer ponto de vista pode ser apresentado e debatido ilustram o cuidado com que sua elaboração vem sendo desenvolvida. Como resultado desta prática, no início de agosto a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica aprovou o mérito de suas conclusões e propostas, e determinou extensão de prazo dos trabalhos coletivos, para ajustes e aprimoramento das propostas. Os temas mais difíceis a implementar com certeza dizem respeito a alterações em modalidades de crédito e adequações de normativas legais, bem como ao estabelecimento de instrumentos e capacitações não disponíveis no serviço público, para operacionalização de metas ainda a serem construídas, tanto para ações de curto como de médio e longo prazo. Cabe destacar: orientações de medidas e indicadores de resultados, bem como sugestão de responsabilidades já estão sugeridos, para muitas iniciativas relevantes aos fundamentos do PRONARA.
O que será feito daqui em diante?
Os trabalhos entram em recesso no período eleitoral. Foi autorizada extensão de prazo para conclusão das propostas elaboradas pelos grupos, que finalizarão o documento e suas sugestões. Após, o governo avaliará a proposta, fará ajustes, proporá intervenções e discussões com a sociedade.
Disso resultarão ações a serem implementadas a partir de 2015. A rigor o ano de 2015 se coloca como momento de preparação do Plano Plurianual 2016-2019. Nossa expectativa é que o PRONARA e o PLANAPO ocupem grande espaço no PPA 2016- 2019 e que, a partir dele, adquiram relevância que dará ao Brasil destaque internacional nos campos do Desenvolvimento Sustentável, da Saúde Pública, da alimentação de qualidade e, naturalmente, da Agroecologia.