Congresso do “Diálogo de Saberes”, XI CBA reafirma força impulsionadora da pluralidade na construção da agroecologia
Por: Luiza Damigo e Angélica Almeida | Edição: Carú Dionísio
Cantorias sagradas, poesias, louvações, encantamentos, apresentação de vídeos, leitura de cartas políticas, reafirmação de denúncias e anúncios, muita celebração e integração entre povos diversos. Costurando sínteses e conexões que permearam os intensos e ricos quatro dias de XI Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), a Conferência de Despedida do encontro convidou olhares ampliados para o percurso percorrido durante o Congresso, embebidos de legados anteriores e apontando novos rumos na construção da Agroecologia como ciência, prática e movimento.
Realizado entre 4 e 7 de novembro no Campus São Cristóvão da Universidade Federal de Sergipe (UFS), o XI CBA deu vida ao lema “Ecologia de Saberes: Ciência, Cultura e Arte na Democratização dos Sistemas Agroalimentares”, em uma proposta de horizontalidade de saberes e de convergência política entre povos indígenas, quilombolas, agricultoras/es, pesqueiras/os, marisqueiras/os, mulheres, juventudes, LBGTQI+, pesquisadoras/es e estudantes.
A Conferência de Despedida fortaleceu reflexões que já vinham sendo impulsionadas pelo lema do Congresso, acerca da impossibilidade de uma alimentação saudável sem cultura e diversidade alimentar; de que o conhecimento é produzido conjuntamente pelos diversos sujeitos nos territórios, em um profundo diálogo entre si; de que é preciso criar mundos onde caibam todos e todas, nos quais os direitos estejam amplamente assegurados, com a garantia de Universidades e instituições de ensino públicas, laicas, gratuitas e de qualidade, com espaço e incentivo à pesquisa e ciência crítica e cidadã.
Para Paulo Petersen, Vice-presidente da ABA-Agroecologia, trazer o lema da Ecologia de Saberes significa, necessariamente, compreender a prática da agroecologia e do próprio conhecimento de outra maneira. “É a reafirmação do rompimento de uma prática de produção de conhecimento que mantém relações de dominação. É uma radicalização da discussão da democratização, do vínculo entre agroecologia e democracia, no momento em que, por um lado, conquistas democráticas estão sendo negadas e desmontadas, e, por outro, a agroecologia vem sendo reconhecida no mundo institucional”, afirma.
Em um cenário político adverso vivenciado em toda a América Latina, é urgente o desafio de ecoar a resistência dos povos do campo, das águas, florestas e cidades, que lutam pela preservação de seus territórios e diferentes modos de vida. A diversidade, complexidade e relação intrínseca com a natureza, estruturantes nos movimentos sociais que partilham destes princípios, são fundamentais na construção dos conhecimentos e saberes agroecológicos.
Costurando reflexões
O tecer da Teia, metodologia exercitada no XI CBA, orientou as mais de 3000 pessoas que participaram do Congresso para a Conferência de Despedida, em que as sínteses produzidas, fruto das colheitas feitas pelas “fiandeiras”, foram socializadas, por meio de variadas linguagens e formatos, como a poesia, o repente, a música e o teatro. Precedendo a fala do antropólogo e pesquisador Alfredo Wagner, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), um vídeo, apresentado pelas fiandeiras da tradição audiovisual, despertou as memórias das experiências vivenciadas nos últimos quatro dias.
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Para Lilian Pacheco, criadora da Pedagogia Griô, o XI CBA foi uma oportunidade de “cuidar, priorizar e conceituar o diálogo”, ao rever práticas pedagógicas e repensar o que é valorizado, ou não, como científico. “Estamos na luta para o reconhecimento dessas pedagogias como ciências do campo, das periferias; ciências que vêm do povo e que dão conta de outros projetos civilizatórios. Lutamos por espaço, por ocupação e este CBA foi um grande espaço para que as trocas metodológicas acontecessem”, avalia.
Com o desafio de trazer a síntese final sobre o território agroecológico experienciado na UFS durante o CBA, o antropólogo e pesquisador Alfredo Wagner reforçou a importância de seguir desconstruindo a lógica da ciência cartesiana, eurocêntrica, concentrada em laboratórios e salas de aula fechadas. Destacou a importância da imersão nos territórios e seus diferentes ecossistemas, comunidades, modos de vida e saberes tradicionais. Não como objetos de pesquisa mas, sim, como sujeitos que as protagonizam e trazem sua própria identidade.
Refletindo sobre a produção do conhecimento e a apropriação dos saberes das comunidades, avaliou que “os conhecimentos tradicionais, antes pensados como folclore, hoje se transformam em conhecimentos essenciais para definir identidades coletivas. O conhecimento tradicional é a projeção do grupo para o futuro da sua reprodução. Não são uma viagem de volta, apontam para o futuro. O futuro lhes é assegurado por essa identidade que eles estão construindo duramente, em uma luta muito árdua e cotidiana”.
Intervenções culturais e políticas
“Cajueiro pequenino, carregado de fulô, eu também sou pequenino cajueiro, carregado de amor” (Cajueiro Pequenino). Com os versos do poeta cearense Juvenal Galeno, quem participava da Conferência de Despedida foi surpreendido pelo cortejo da Ciranda Infantil, espaço construído a muitas mãos e desejo de uma educação emancipatória, afetuosa e que respeite as diferentes culturas. O cortejo da Ciranda Infantil relembrou que “você não precisa deixar de ser criança para crescer” e que o cuidado com elas, quando ainda não adultas, deve ser coletivo entre todas e todos. Criar ambientes seguros para as crianças significa acolher também as famílias, possibilitando a sua participação no Congresso.
Uma carta política, em defesa e proteção à infância contra qualquer opressão e violência, foi compartilhada pela Ciranda Infantil.
Na sequência, outros sujeitos políticos também partilharam as sínteses de suas discussões. A Carta Política Indígena, produzida pelos 14 povos presentes no Congresso e lida por Jussara Terena, reafirmou “a urgente demarcação dos territórios e a participação indígena como protagonista nas atividades agroecológicas”, expressando, em espaços mais amplos como a Plenária dos Povos Originários, sua cultura e tradição. Ressalta a importância de representatividade indígena junto a comissão organizadora do Congresso.
As juventudes organizadas do campo, das águas, das florestas e das cidades afirmaram, em sua carta política, que é necessária a defesa dos centros de cultura popular comunitários, fortalecimento do Turismo de Base Comunitária como forma de geração de renda para as juventudes e da comunicação popular como estratégia de permanência nos territórios. Denunciam o extermínio da juventude negra e periférica, se colocando em defesa da vida e da Agroecologia.
O Movimento de Pescadoras e Pescadores Artesanais denunciou a tragédia crime do derramamento de petróleo que assola a costa do Nordeste, levando famílias e comunidades inteiras a fome e prejuízos incalculáveis em seus territórios, uma vez que, em muitos locais, não há condições de pescar e mariscar e, consequentemente, não há alimento para comer e nem renda para sobreviver. A carta responsabilizou a indústria petrolífera pelo desastre, assim como criticou a falta de um plano de contingência e de assistência às famílias afetadas por parte do governo. “Tire o óleo do caminho, que eu quero passar. Tire o óleo do caminho, que eu quero pescar. Tire o óleo do caminho, QUE AQUI É O MEU LUGAR”.
A Rede de Grupos de Agroecologia (REGA Brasil), em sua carta política, celebrou os processos descentralizados, semeando a liberdade, autogestão e responsabilidade individual e coletiva. Afirmou que “com esse olhar, a REGA celebra esse CBA ‘embaixo de lona’, em uma Universidade Pública, com portas abertas a todos que buscaram a troca de saberes, a arte, as reflexões sobre a produção científica do campo agroecológico, com liberdade na apresentação dos trabalhos, onde celebramos os 10 anos da nossa Rede”, desejando que venham mais décadas de construção conjunta.
Traduzindo em práticas concretas o lema do XI CBA, a pluralidade de manifestações artísticas demonstrou que sem arte e cultura não há Agroecologia. Que sem cultura alimentar não há diversidade e democratização dos sistemas agroalimentares. E que é com a força do povo que o CBA segue em defesa de uma ciência crítica e cidadã, conforme defendido na Carta Sergipana do CBA, fruto das discussões do Congresso.
Assista a Conferência de Despedida, na íntegra, aqui.