Aqui é uma terra de preto.
Aqui é uma terra de mulheres.
Nossas matriarcas são símbolos
De força, luta e resistência.
Dani, Quilombo do Campinho
Vó Antunica, Tia Marcelina e Tia Maria Luisa. Estas foram as três mulheres que a mais de cem anos plantaram as primeiras raízes do Quilombo Campinho da Independência, em Paraty, no Rio de Janeiro. O território, hoje reconhecido e colhendo os frutos de suas abundantes agroflorestas, acolheu o Encontro Diálogos e Convergências: Saúde e Agroecologia, de 21 a 24 de novembro. Promovido em uma parceria da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), ABA-Agroecologia, Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), Observatório de Territórios Saudáveis e Sustentáveis (OTSS) e Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT) de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba o encontrou ampliou nossa lente sobre o entendimento das múltiplas convergências entre saúde e agroecologia.
Em uma intensa e diversa programação, cerca de 150 pessoas entre indígenas, quilombolas, caiçaras, agricultoras/es, pesquisadoras/es, estudantes, representantes de movimentos sociais e organizações ligadas ao campo agroecológico e ao campo da saúde pública, puderam partilhar saberes, experiências e esperança.
Para Marco Menezes, vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, “a cultura e a arte fazem parte do processo que construímos. A construção coletiva da agenda entre saúde e agroecologia é fundamental quando pensamos nos territórios e os anúncios e denúncias que vem deles”.
Vivências e seminários temáticos
Luta, resistência, práticas tradicionais e permanência no território. Como diria Frei Betto, “a cabeça pensa a partir de onde os pés pisam”. Dez vivências nas comunidades tradicionais da Serra da Bocaina e seis seminários temáticos, em que experiências desenvolvidas pela Fiocruz em agroecologia foram apresentadas. Um dos objetivos das atividades – e sua construção metodológica dentro da programação do encontro – é facilitar a troca de experiências e conhecer as iniciativas de promoção à saúde que já acontecem.
Territórios indígenas, caiçaras e quilombolas, unidades básicas de saúde, áreas de agricultura familiar e camponesa, receberam as/os participantes do encontro para as vivências. Durante o segundo dia do encontro, pudemos partilhar das lutas e saberes de diferentes comunidades. Dentre os conflitos enfrentados, como a especulação imobiliária, há algo em comum nas resistências: o pertencimento ao território e a esperança de mantê-lo preservado.
Dialogando com as vivências e com seu acúmulo para o debate, no dia seguinte as saídas aconteceram os seminários temáticos, construídos enquanto ambientes estratégicos para troca de experiências, estudo e aprofundamento de temas por onde conexões entre a Saúde e a Agroecologia já vem sendo construídas.
Para Fernanda Savicki, do GT Saúde da ABA-Agroecologia e pesquisadora da Fiocruz MS, “o encontro é um marco na qualificação do debate entre os campos da saúde coletiva e agroecológico, pois reuniu representantes de todo o país que já atuam nessas áreas e possibilitou a troca de experiências entre eles, potencializando as parcerias na construção de uma agenda comum”.
Comida Quilombola : sabor e tradição
O premiado Restaurante do Quilombo nasce em 2007 a partir de uma mobilização da comunidade com o intuito de fortalecer a cultura alimentar quilombola e traz uma importante experiência de autogestão e protagonismo feminino. No delicado feitio dos alimentos, muitos deles plantados e colhidos nas agroflorestas do próprio Quilombo do Campinho, a chef de cozinha Cirlene Barreiro Martins, carinhosamente chamada de Ninha, cria, ao lado de suas companheiras, os sabores e aromas que alimentam o corpo e mantém viva a cultura.
O empreendimento comunitário, erguido pela Associação dos Moradores do Quilombo do Campinho (AMOQC), trabalha fundamentado nos princípios da economia solidária. “O protagonismo das mulheres quilombolas, em sua forma de organização coletiva, é um passo para o fortalecimento de nossa cultura ancestral, é uma forma de promoção de manter nossos saberes vivos, em defesa de nosso território”, afirma Ninha.
Durante os quatro dias de encontro, a incansável equipe do Restaurante do Quilombo nutriu, com suas raízes, todas e todos que participaram do encontro. Cultura alimentar tradicional que vem, a sete gerações no Campinho, resignificando as resistências e força do território que tivemos a alegria de conhecer e vivenciar.
Hoje, o Restaurante do Quilombo integra o roteiro de Turismo de Base Comunitária (TBC) da região de Paraty, recebendo em sua casa quem deseja conhecer melhor a trajetória da luta pela terra.
Para celebrar os saberes vivos presentes na cozinha e nos modos de fazer de tantas mulheres negras guerreiras, que dia após dia constroem esta experiência de autogestão, a comissão organizadora do encontro entregou, à AMOQC, um quadro que simboliza o agradecimento pela luta e resistência do povo quilombola.
Saúde, Agroecologia e o XI CBA
Para Luciana Jacob, Coordenadora do GT Educação da ABA-Agroecologia, a “troca de experiências se materializa e concretiza em encontros como este, onde a sinergia dos nossos campos é possível a partir do reconhecimento das práticas agroecológicas que ocorrem nos territórios em todo país”. Construir uma agenda comum, de processos preparatórios que vão culminar no XI Congresso Brasileiro de Agroecologia, o CBA Nordeste, em novembro de 2019, é fundamental para continuarmos adubando este solo fértil.
Pudemos refletir coletivamente sobre os temas que serão levados para o XI CBA, potencializando a construção de sistemas agroalimentares saudáveis, sustentáveis e socialmente justos e fortalecendo, cada vez mais, a construção da agenda entre saúde e agroecologia.
Enquanto o Encontro de Saúde e Agroecologia acontecia, a Comissão Local do XI CBA se reuniu e lançou o lema do próximo congresso: Ecologia de saberes: ciência, cultura e arte na democratização dos sistemas agroalimentares. Veja a nossa Carta anúncio “Renovando ciclos – Rumo ao XI CBA Nordeste“
Por Luiza Damigo