Por Ronaldo Eli (Asacom) e Romário Henrique (Serta)
Josefa Geniele, 23 anos, percorre 300km da cidade de Igaci, Alagoas, até Glória do Goitá, Pernambuco, onde estuda há dez meses o curso técnico de Agroecologia. Junto com Josefa estudam Jadson Elves, 19, que é de Alagoas, Ariandes Lucindo, 18, de Sapé/PB e Oseas José, 22, de Lagoa de Itaenga/PE, em uma turma de 50 pessoas. Ela e eles descobriram no curso uma oportunidade de fortalecer a renda da família, cuidando da terra e dos alimentos produzidos no quintal de casa, que são consumidos e comercializados.
Josefa, além de agricultora, é educadora social da Aagra (Associação de Agricultores Alternativos), onde já atua nos princípios de sua futura profissão. Há três anos iniciou a comercialização de hortaliças, raízes e artesanatos na feira da agricultura familiar e economia solidária da cidade. A moeda de compras usada pelo grupo de agricultores/as se chama Terra. E os cuidados com a terra têm convencido a estudante de que a agroecologia é um caminho próspero.
“Minha família e eu estamos tendo uma visão diferente de como plantar, tanto para comercialização quanto para o nosso próprio consumo. Eu tive uma visão ampla do que realmente é agricultura. Não penso em ir embora da minha terra, do meu sítio, para trabalhar fora. A comercialização ajudou a permanecer e ter amor por onde moro, onde vivo, e cultivar o que gostamos”, conta Josefa.
Mensalmente, durante uma semana, os estudantes se dedicam aos processos pedagógicos do Serta (Serviço de Tecnologia Alternativa), ONG que desenvolve formação contextualizada com jovens, educadores/as e produtores/as familiares por meio da Proposta Educacional de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável (Peads), criada pela própria organização, onde já profissionalizou mais de mil técnicos e técnicas em 15 anos de existência do curso.
Crescimento – O Serta faz parte de um conjunto considerável de organizações, privadas e públicas, que vêm contribuindo com o aumento dos cursos voltados para a profissionalização de jovens para atuar no campo da agroecologia. Esse crescimento se relaciona com a ação dos movimentos sociais do campo, que já desenvolviam experiências educacionais que incluíam a leitura crítica da formação convencional oferecida nas ciências agrárias. “Uma formação que estava muito voltada para o setor do agronegócio, desqualificando a agricultura familiar e as estratégias camponesas o tempo todo”, segundo Maria Virgínia Aguiar, coordenadora do Grupo de Trabalho de Educação em Agroecologia da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA).
Ela relata que “a partir do ano 2000 começam a surgir muitas experiências, de cursos inclusive, muitas delas motivadas pelas políticas do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), do MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento), com uma discussão junto à Secretaria de Ensino Tecnológico para criar cursos de agroecologia, em decorrência de toda essa dinâmica que teve no Governo impulsionado pelos movimentos sociais de trazer a agroecologia para a política pública.”.
Aguiar destaca a natureza diversa das experiências, mesmo no contexto da agroecologia: “Eu acho que as experiências dos movimentos sociais, das EFAs (Escolas Família Agrícola), por exemplo, trazem uma perspectiva educativa totalmente diferente das perspectivas das universidades e institutos federais, porque é uma educação que traz como princípio a ideia de que a educação se faz a partir das práticas e experiências dos sujeitos no território.”.
Pedagogia da Alternância – Uma organização comunitária que exemplifica o ponto de vista adotado pela professora e pesquisadora é a EFA Nova Esperança (EFA-NE). Localizada na zona rural do município de Taiobeiras, no Semiárido mineiro, a Escola está iniciando seu quarto ano de funcionamento, mantida por uma associação comunitária através de recursos públicos e doações das famílias dos estudantes, oriundos de 10 municípios da região. A instituição pratica a Pedagogia da Alternância, metodologia utilizada por mais de 200 EFAs em todo o país, que alterna períodos de internato com a prática dos alunos no território familiar, valorizando o conhecimento prático e familiar e fortalecendo, inclusive, o trabalho no ambiente escolar.
“Em sua maioria, nossos jovens estudantes são filhos de agricultores familiares que já têm uma prática relacionada à agroecologia e à sustentabilidade, e estudar na EFA Nova Esperança é uma forma de consolidar, ampliar e fortalecer essa prática”, define a diretora da EFA-NE, Fernanda Santos. Da primeira turma de egressos, formados em 2014, segundo a educadora, “muitos estão desenvolvendo projetos de geração de renda junto com suas famílias, outros atuando de forma efetiva em suas comunidades assumindo cargos e responsabilidades nas associações comunitárias, sindicatos dos trabalhadores rurais e grupos de jovens.” A educação agroecológica promove a formação de lideranças e a mobilização social.
Promove também, nesse caso, a fixação do jovem no campo. Udilézio Oliveira Santos, 21 anos, da Comunidade Vereda Funda, em Rio Pardo de Minas (MG), diz ser este o seu caso. Sua família já se encontra em transição agroecológica há pelo menos 13 anos, mas ele credita à EFA-NE o fato de não engrossar os números do êxodo rural: “Com o curso eu aperfeiçoei meus conhecimentos. Ele induz a gente a ficar no campo, a trabalhar no campo junto com a família. Se eu não fizesse esse curso eu ia sair da comunidade para procurar trabalho em alguma coisa que não ia ter nada a ver com a agricultura familiar. O curso me incentivou a ficar e a trabalhar em defesa da natureza, dos animais, do meio ambiente.”.
Enquanto trabalha na propriedade da família, o técnico em agroecologia espera oportunidades de aumentar sua renda na própria comunidade: “Aqui na comunidade a gente trabalha com vários projetos e, além da gente não ter profissionais capacitados para esse tipo de projeto, vem gente de fora, que não conhece a área, que não tem o conhecimento na agroecologia. Estou aperfeiçoando meus conhecimentos na comunidade, como voluntário, porque os projetos que já existem para trabalho remunerado já estão completos. Agora está saindo outro em que vou me integrar, para passar o que a gente conseguiu aprender e incentivar as pessoas cada vez mais a trabalhar com o campo, a agroecologia, mostrar que a gente tem condições de ficar e se manter bem no campo, às vezes até melhor do que na cidade.”.
Convergência social – Em que pese a tradicional tensão entre os conhecimentos acadêmico e popular, algumas experiências de educação em agroecologia já apontam para a convergência, mesmo em grau universitário. O curso de bacharelado em agroecologia da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), no campus de Lagoa Seca, aposta nesse caminho. O curso existe na região do Polo da Borborema, onde fervilham movimentos sociais camponeses que trazem ao campo da agroecologia discussões como feminismo, combate à transgenia e aos agrotóxicos e a convivência com o Semiárido.
“Dentro da oportunidade que essa localização coloca e dentro da necessidade do próprio mundo, surgiu a ideia da implementação desse curso. Desde o primeiro semestre, a gente tem a experiência vivenciada no campo diretamente com os agricultores familiares, seja em assentamentos, em sindicatos, organizações como cooperativas. A cada dia a gente tenta se envolver mais em parcerias com os movimentos sociais. A gente tá colocando alunos dentro dos movimentos sociais, ou tentando aproxima-los, e tentando trazer a parceria com esses movimentos pra gente, para montar editais, experiências em campo”, diz o coordenador-adjunto do curso, Leandro Andrade. O curso conta com uma disciplina de estágio supervisionado que é exigida desde o primeiro semestre, e inclui outras que são incomuns na área das ciências agrárias, como Ciências da Religião e Antropologia.
Regulamentação – No município de Bananeiras/PB, a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) forma esse ano sua primeira turma de graduados em Agroecologia. A cada ano, 50 vagas são oferecidas pela instituição. O curso é integral e tem duração de quatro anos e meio. Alessandro Mariano, 26 anos, está no quinto período. Sempre se interessou pelas ciências agrárias, em especial pelos cursos que defendem a sustentabilidade ambiental. Ele se preocupa com a inserção no mercado de trabalho.
“Apesar de gostar do que estudo, o mercado de trabalho tem me deixado preocupado. Acredito que no momento ele não esteja preparado para receber esses profissionais. Ao mesmo tempo que precisa. É meio contraditório. Mas não vemos editais para o profissional de agroecologia, e as empresas privadas não estão preocupadas com a questão da sustentabilidade e preservação do meio ambiente, apesar de ser lei”, considera Alessandro.
A preocupação dos estudantes é compartilhada pelo professor Andrade, do curso da UEPB: “Desde o início a gente trabalha com uma esperança para os alunos do curso dentro do crescimento das demandas neste campo de atuação. Nosso primeiro grande desafio é registrar profissionais formados na área da agroecologia. Ainda não temos quantitativos de profissionais formados para habilitar o registro direto dos agroecólogos. Essa é uma exigência, por exemplo, de editais de concursos que privilegiam Estudantes da UEPB em atividade de campo (Foto: Site UEPB) outras áreas e deixam de fora os profissionais de agroecologia. A gente tem a esperança de que isso em breve se converta.”.
O reconhecimento do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA) almejado pelo coordenador-adjunto do curso da UEPB foi alcançado, em nível técnico, pelo Serta em novembro do ano passado, junto ao Conselho de Pernambuco. O processo foi iniciado em 2008, e a decisão tem efeito retroativo: todos/as os/as egressos/as, mesmo de anos anteriores, terão direito ao registro. É um precedente positivo.
Para o educador Abdalazis de Moura, coordenador do curso do Serta, “o acesso ao CREA-PE abriu possibilidades para que os técnicos pudessem ter acesso ao mercado formal de assessoria, consultoria, assistência técnica e extensão rural, que é um campo que está em crescimento pelo novo Plano Nacional de Agroecologia, pelas políticas agrícolas dedicadas a agricultura familiar, pelos espaços de convivência com o Semiárido.”.
Caminhos – Para além da regulamentação da profissão, há uma preocupação com os caminhos políticos traçados pelos cursos. Em 2013, a ABA realizou um evento nacional em Paulista (PE) em que a colocou para dialogar diversas experiências concretas em educação formal em agroecologia. Maria Vírginia Aguiar apresenta um dos resultados desse diálogo: “A gente tirou como resultado quatro princípios que deveriam orientar qualquer experiência de educação formal em agroecologia e, eu diria, até de educação não formal. A gente entende que se todo mundo estiver imbuído nessa reflexão a gente daria passos muito qualitativos na direção de uma educação mais comprometida com a agroecologia de uma forma geral e com as pessoas envolvidas nas experiências.”
Para conhecer mais sobre os princípios propostos pela ABA para a educação em agroecologia, clique aqui.