Isolados ou livres? Bravos ou felizes?

Por Carlos Brandão,

Estou vindo do Congresso Brasileiro de Agroecologia, em Belém do Pará. Éramos mais de 3500 pessoas, entre índios, negros quilombolas e brancos acadêmicos.

Um dos temas tratados com longa seriedade foi o dos territórios populares. Neste campo uma fala do Alfredo Wagner foi muito esclarecedora. E os depoimentos de indígenas, quilombolas, povos da floresta, militantes dos movimentos dos sem-terra e camponeses orgânicos constituíram o melhor do Congresso.

Nós chegamos com nossas teorias. Eles com os dramas de suas vidas. Bem-vindos os congressos e semelhantes em que as vozes vindas da terra dialogam com as que chegam das universidades.

Um dos temas tratados de passagem foi a dos “índios isolados”, “índios arredios”, “índios brabos”, e outros nomes que nós, brancos da cidade e os índios integrados damos a eles.

Serão mais de 90 povos habitantes da floresta. Crianças que nunca terão visto uma boneca (sobretudo uma Barbie), e nem um i-ped. Mulheres e homens que pouco sabem, ou nada sabem de nós… os outros. E, se sabem, será que terão de nós o mesmo imaginário mítico que nós temos dos supostos ETs. Seres que, se existem, imaginamos que habitarão algum território estelar muito distante desta pequenina poeira no Cosmos, a quem damos o nome de Planeta Terra?

A recente descoberta da NASA a respeito da existência de “água salgada” em Marte foi um dos mais impactantes anúncios da Mídia nos últimos dias.  E eu fico imaginando que neste tempo em que estendemos caríssimos aparatos aos domínios distantes do Universo, em busca do retorno de uma única mensagem que nos anuncie que não estamos sozinhos, temos, aqui mesmo no Brasil, inúmeras gentes, famílias, povos, etnias de quem nada sabemos.

E lhes damos nomes como “arredios”, “isolados”, “brabos”. Mas… “arredios quem? cara pálida?”

E nos pomos a discutir o que seria melhor para “eles”. Nós que separamos de nosso território porções enormes de “reservas naturais” para a manutenção intocada de plantas e de animais, porque não ousaremos fazer o mesmo em nome dessa gente ainda sem um nome (nosso)? Conversamos no Congresso em Belém sobre o sofrimento de pessoas, famílias e comunidades expulsas de suas terras, não pela voragem do agronegócio, mas porque seus belos territórios ancestrais foram demarcadas como “parques” ou “reservas naturais”.

Isto é, territórios onde dos cenários da vida um único ser vivo não pode estar presente… o ser humano.

E não são poucos os territórios naturais onde povos ancestrais lutam pelo direito de ali permanecerem em “reservas extrativistas”. Afinal, uma só empresa de pasto-de-gado ou de plantio-de-eucaliptos (desertos verdes) destrói mais “natureza” em um ano do que uma comunidade indígena, quilombola ou camponesa em toda uma existência.*

Que a lembrança da presença, entre nós e longe de nós, destas comunidades de “índios livres” (de nós) nos ajude a abri o coração, a mente e o imaginário. Que a notícia de suas simples existências “no coração da floresta” (intacta até hoje… lá onde eles vivem) nos ajude a pensar se somos nós quem devemos ir a eles para ensinar alguma coisa, ou se devemos esperar que eles venham, quando e como quiserem, a nós, para nos ensinar sobre como conviver com a Vida sem precisar destruí-la para viver.*

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *