Sistematizar é memória e inspiração. E no agreste de Pernambuco como é que termina? Em poesia.

Vozes, cordas e cordéis. A arte que vibra e transborda do povo de Pernambuco, reascende a ideia de que sistematização é a arte do povo, é diálogo de saberes, é poesia e celebração! E como não poderia deixar de ser, nas terras pernambucanas de profusão, diversidade e efervescência cultural popular, as experiências de construção coletiva do conhecimento, partilhadas pelo Núcleo de Estudo em Agroecologia Agrofamiliar (NEA Agrofamiliar), foram regadas a vivências e conhecimentos ao som de muita música, poesia e cordel.

Nesta segunda etapa do projeto de Sistematização de Experiências dos Núcleos e Rede de Núcleos de Estudos em Agroecologia, seguimos semeando reflexões e colhendo aprendizagens coletivas a partir da realização das Oficinas de Sistematização de Experiências que ocorrerão até Maio de 2017, com o intuito de aprofundar o processo formativo compartilhado sobre a Sistematização e o estudo dos fazeres dos 16 NEA’s das cinco regiões do país que compõem este projeto.

Núcleo Agrofamiliar e a construção coletiva do conhecimento no agreste meridional pernambucano: uma história feita a muitas mãos!

A primeira oficina da Região Nordeste ocorreu entre os dias 16 e 18 de Fevereiro, dando continuidade à formação e às trocas de saberes sobre o processo de sistematizar a partir das experiências do Núcleo Agrofamiliar, que está vinculado à Unidade Acadêmica de Garanhuns (UAG) da Universidade Federal Rural de Pernambuco – UFRPE, localizado no agreste meridional pernambucano.

As oficinas têm o objetivo de acompanhar e planejar o processo de sistematização e investigar mais detidamente as 16 experiências, realizando formações conjuntas em rede. Juntando estudantes, professores, agricultoras/es e parceiras/os diretamente ligados à experiência, bem como os Núcleos de Estudos em Agroecologia (NEAs) e as Redes de NEA’s de um mesmo estado e região, pretende-se multiplicar o compartilhamento e a abrangência das aprendizagens. A ocasião foi mais uma oportunidade para enredar e fortalecer os processos de articulação em curso entre os Núcleos e Redes de NEA’s regionais e demais organizações.

A intenção é olhar para o que esses Núcleos estão fazendo e mostrar como estão fazendo. Nos três dias de oficina foram discutidos os diversos sentidos de se sistematizar experiências. Resgatou-se seu conceito e metodologias, rememorou-se coletivamente os 8 anos de atuação do Agrofamiliar, sendo que a oficina foi permeada de momentos de integração a partir de místicas e dinâmicas destinadas a superar o trabalho focado meramente no aspecto cognitivo/racional que costuma predominar nos meios acadêmicos tradicionais. Por meio disso buscou-se trabalhar a apreensão e a inteligência corporal e emocional em conexão com as pessoas, entendendo-se que a aprendizagem em sua plenitude se dá coletivamente.

Zeca Lúcio, um dos agricultores envolvidos na experiência do Núcleo Agrofamiliar, contou sobre sua satisfação em notar que existem pessoas que estão interessadas em contribuir na melhoria da vida no campo e no que elas/es (as/os camponesas/es) fazem, sendo que para ele, isso faz com que elas/es sintam-se valorizadas/os.

Para Horasa Andrade, coordenadora e membra do NEA Agrofamiliar, o projeto de sistematização é uma grande oportunidade para que a equipe e parceiras/os do núcleo olhem, tanto para dentro como para fora da sua própria experiência, para o que vivenciam, resgatem o que fizeram e reflitam sobre suas práticas, compreendendo o Núcleo de Agroecologia como movimento, pesquisa e prática.

A culminância do processo de sistematização acontecerá durante o X Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA), em Brasília/DF durante o mês de Setembro. Os relatos das 16 experiências sistematizadas deverão ser apresentadas e publicadas em uma edição especial da Revista Brasileira de Agroecologia (RBA). Assim, as oficinas cumprem também um papel de oportunizar a mobilização, a articulação e o planejamento regional rumo ao X CBA.

A Sistematização de Experiências como Revolução Epistemológica.

Fica patente que a sistematização de experiências procura notabilizar os conhecimentos e saberes populares que costumam se perder e extinguir devido as várias formas de deslegitimação e marginalização por parte da pesquisa e ciência convencional. Por isso busca-se promover um diálogo dos saberes acadêmicos e populares a partir da multiplicidade de perspectivas e a participação de atores diversos nessa construção, não só os acadêmicos, mas também as/os agricultoras/es, camponesas/es, povos das florestas, águas e diferentes etnicidades, frutificando assim outros e diversos saberes.

Na Sistematização é fundamental a participação dos olhares da/o outra/o e das diferentes perspectivas que compõem a experiência. Fazendo analogia e parafraseando Adélia Prado (Cacos para um Vitral, 1991) e Elza Falkembach (Sistematizando: Juntando cacos, construindo vitrais.)1, sistematizar é construir um mosaico, uma mandala forjada com diferentes e diversas cores, linhas, formatos e nuances da memória coletiva.

Ana Dubeux, facilitadora da oficina de Garanhuns, comentou sobre a revolução epistemológica que representa a metodologia da Sistematização de Experiências.

Ana Dubeux, professora da UFRPE, membra do Núcleo de Agroecologia e Campesinato (NAC), da equipe do Centro de Formação de Educadores em Economia Solidaria do Nordeste e facilitadora da oficina de Garanhuns, comentou sobre a revolução epistemológica que representa a metodologia da Sistematização de Experiências.

De acordo com Dubeux, superar os muros e a restrição do monólogo representado pela Ciência Positivista, na qual um único pesquisador elabora uma pergunta, testa essa sua hipótese e apresenta a sua única e exclusiva interpretação sobre o objeto de pesquisa, é um dos desafios deste projeto. Ela entende que a sistematização germina um novo olhar sobre a construção do conhecimento, ao se enfatizar a variedade de olhares e a construção coletiva e compartilhada das indagações, do conhecimento, dos processos cognitivos que envolvem a aprendizagem, não restringindo o conhecimento a uma investigação solitária.

Para ela o positivismo prioriza o estudo de um fragmento dissociado do todo, em detrimento de uma visão integrada o que, consequentemente, compromete a compreensão plena sobre os assuntos que se investiga. Nesse sentido, a sistematização representaria uma contraposição à perspectiva convencional de pesquisa, a qual, inclusive, acompanha a lógica vigente de ordenamento social, político e econômico cujas abordagens são centralizadoras, monologares, monopolistas e de perspectivas únicas de saber e poder, enfim, representam as “monoculturas da mente” no melhor dizer de Vandana Shiva (As Monoculturas da Mente, 2003). Ana Dubeux completa:

Sistematização de Experiências é um processo muito interessante porque a gente desconstrói a visão clássica da ciência, na perspectiva de poder fazer uma interação de saberes e buscar a construção do conhecimento a partir da experiência. Desde que a gente vive uma experiência qualquer, ali a gente constrói saberes, sendo que muitas vezes estes saberes se perdem. Cada um de nós viveu aquela experiência, mas a gente não refletiu sobre a vivência dela, não pensamos exatamente o que aquilo nos significou, o que tivemos de dificuldades, por onde foi que a gente andou. O processo de sistematização de experiências faz uma mudança no focus epistemológico da construção do conhecimento, porque não sou eu, na interação com os livros, e o/a agricultor/a lá, no campo dele através da prática, mas é como cada um/a de nós vai colocando os ingredientes para produzir um novo saber, e esse novo saber, ele nasce da reflexão coletiva, ele nasce da troca, ele nasce principalmente da reflexão, de a gente poder fazer perguntas pra nós mesmas/os: “porque eu quero um fazer agroecológico?”, “qual a minha intencionalidade em relação às mulheres, em relação à juventude?”, “como que eu desenvolvo a minha ação educativa nesse processo de transição agroecológica?” – e assim por diante. As perguntas podem ser diversas, mas a reflexão vai gerar um conhecimento que é novo.”

Refletindo sobre a diferença nas abordagens de construção do conhecimento, Flávio Duarte, da vice-presidência da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA) na Região Nordeste, tece alguns comentários sobre a grande contribuição dos NEA’s para a formação continuada das/os estudantes e professoras/es e na ressignificação do “ensino”, da “pesquisa” e  da “extensão”.

Para Duarte, o papel do projeto de Sistematização de Experiências é a dinamização da reconstrução dos conceitos e referenciais, na ressignificação do trabalho de pesquisa e das metodologias de ensino em agroecologia, ao promover o debate e ao difundir materiais metodológicos sobre a sistematização. Organizar oficinas e seminários, realizar formulação de materiais que dialoguem com aquelas/es que não estão diretamente inseridas/os ou envolvidas/os com a academia e os NEA’s, para que elas/es possam beber dessa fonte, bem como sensibilizar a engajarem-se na jornada de aperfeiçoamento da Agroecologia.

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O projeto “Sistematização de Experiências: construção e socialização de conhecimentos – o protagonismo dos Núcleos e Rede de Núcleos de Estudos em Agroecologia das universidades públicas brasileiras” é uma iniciativa nacional proposta pela Associação Brasileira de Agroecologia que tem como objetivo aprofundar as referências para a construção do conhecimento agroecológico, transformando as atividades de ensino e aprendizagem em relações dialógicas entre os diversos tipos de saberes, fortalecendo pesquisas e experimentações que integrem as/os agricultoras/es como participantes de todo o processo e que potencializem as atividades de extensão como ação educativa e de transformação e fortalecimento social dos povos do campo, das águas e da floresta.

O projeto almeja visibilizar a atuação dos Núcleos de Estudo em Agroecologia, dimensionando a importância de sua atuação e extraindo lições que apontem no sentido da proposição e reformulação de políticas públicas vinculadas à construção do conhecimento agroecológico, contribuindo para o aperfeiçoamento das chamadas públicas e para o aprimoramento e ampliação da própria Agroecologia.

1 Disponível em : http://cirandas.net/articles/0008/6064/sistematizacao_falkembach1.pdf.

Texto: Tatiana Weckeverth/Comunicadora ABA

Revisão: Alice Novato

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