Caravana do Pará: Cultura e Diversidade na construção da Agroecologia

Construção coletiva da Rede de Núcleos de Agroecologia da Amazônia reúne mais de 60 participantes em sete dias de viagem pelo Nordeste Paraense

Entre as coisas mais bonitas de uma caravana está a sua possibilidade de convivência. No Pará foram sete dias. Entre 23 a 30 de maio, cerca de 60 participantes percorreram 1.400 km (rota 1 = 637 km e rota 2 = 771 km) de experiências agroecológicas no nordeste do estado. Para nós, que viemos do sudeste do país, nos impressiona não só a convivência entre as pessoas, participantes das rotas, mas – principalmente – a convivência das famílias agricultoras com o ambiente. Fica fácil falar de agroecologia quando o fazer é princípio de vida de quem nasceu na floresta e, para quem a convivência harmoniosa com a natureza faz parte do cotidiano.

A Caravana do Pará foi uma realização coletiva dos Núcleos de Agroecologia (NEAs – NEA Ajuri, Núcleo de Agricultura Familiar e Agroecologia UFRA- Capitão Poço, NEA Puxirum, NEA Universidade Federal Rural da Amazônia – Campus Paragominas e Tomé-Açu e NEA IFPA de Castanhal) e da Rede de Núcleos de Agroecologia da Amazônia em parceria com uma extensa rede de parceiros regionais e locais.

Apesar das dificuldades enfrentadas pelos NEAs, dentro e fora das universidades e Institutos Federais, a Caravana do Pará, assim como a Caravana de Tocantins – realizada na mesma semana, é fruto de um esforço coletivo de integrar as ações na Amazônia. No trajeto de sua organização conjunta, uma oficina para troca de experiências sobre Caravanas Agroecológicas reunindo representantes de vários estados da Amazônia, e muitas reuniões traçando as possíveis rotas e o planejando as paradas.



As Caravanas: Inovações pedagógicas na integração entre Ensino, Pesquisa e Extensão

O projeto da Rede de Núcleos da Amazônia começa suas atividades em 2015, coordenado pelo Núcleo de Agroecologia da UFRA de Capitão Poço e por um comitê descentralizado regionalmente. Além das atividades de integração entre pesquisa, ensino e extensão realizadas nos últimos anos, a Caravana é uma aposta em ampliar sua rede de diálogo e exercitar outros percursos pedagógicos.

A Caravana do Pará, também construída em parceria com a equipe do Projeto de Sistematização de Experiências – animado nacionalmente pela ABA-Agroecologia – é inspirado nas Caravanas Agroecológicas e Culturais realizadas no Brasil desde 2013 como processos preparatório para o III Encontro Nacional de Agroecologia (ENA). Envolvendo, especificamente os NEAs, o projeto da Rede de Núcleos do Sudeste, o projeto “Comboio” é também parceiro dessa construção. Durante dois anos, cerca de quatro Caravanas foram realizadas na região sudeste, com objetivo de articular processos educativos, intercâmbios e a troca de saberes.

As caravanas possibilitam através das investigações coletivas, a análise dos territórios a partir de diferentes olhares e perspectivas. Ao integrar agricultores/as, pesquisadores/as, estudantes, educadores/as, representantes dos movimentos sociais, associações, cooperativas e muitos outros sujeitos, as caravanas possibilitam intercâmbios simultâneos que só são possíveis com os dias de convívio e imersão nesse percurso pedagógico.

 

Duas rotas: o diálogo de saberes no Nordeste Paraense


“Senti a força do vento que vem do Norte, levantei peguei o bote, naveguei pra Gapuiá. Tava tão forte essa maré tava de morte quase que virou o bote e fez o bote rodopiá” – “Canto de Atravessar” – mística de abertura.

Foi assim sentindo essa força, com muita alegria e disposição que os e as caravaneiras embarcaram no dia 23 na caravana Agroecológica do Pará. Os participantes se encontraram na Embrapa e de lá saíram em dois ônibus: um com destino a Castanhal e outro para Acará.  Para entender melhor as diversas experiências existentes no nordeste do estado, a Caravana se dividiu em duas rotas. Durante o trajeto, os participantes conheceram as iniciativas articuladas pelos agricultores familiares, assentamentos rurais e comunidades quilombolas de nove municípios diferentes: Acará, Tomé-Açu, Irituia, Castanhal, Igarapé-Açu, Bragança, Santa Luzia do Pará, Capitão Poço e Garrafão do Norte.

A rota 1, foi marcada pela luta pela terra. Para Seu Bené, agricultor que vive no Assentamento Carlos Lamarca em Capitão Poço (PA) e participante dessa rota, “não é possível pensar essa agroecologia, e a Caravana mostrou isso, sem pensar a terra. Sem terra, o agricultor não tem onde plantar. É muito bonito trocar experiência com os outros. É isso que essa Caravana me deixou”, diz ele. Nessa rota, os participantes da Caravana, puderem vivenciar – entre outras experiências – ações construídas no contexto da Reforma Agrária Popular e vivenciar processos educativos baseados na pedagogia da alternância de nos princípios da educação do campo.

A segunda rota, em sua diversidade de experiências e contextos, teve como uma das suas dimensões, as experiências construídas em diferentes Sistemas Agroflorestais e também por cooperativas. Falar de Agroecologia na Amazônia significa falar dos Sistemas Agroflorestais, do extrativismo, da convivência harmoniosa entre diferentes espécies – base da relação com os agroecossistemas e da cultura alimentar na Amazônia.

Destaca-se também, entre muitas experiências de resistência, a comunidade Quilombola Quiandeua, localizada no município de Ipixuna do Pará, que pratica a agricultura itinerante centrada no cultivo da mandioca e em atividades extrativista como a caça, a pesca e a coleta, e onde as relações e interações sociais são baseadas nos sistema de uso comum do território que é coletivo.

 

Como partilhar os saberes e experiências vividas por cada rota?

“É tacacá, é tucupi, é a primeira Caravana do estado do Pará”. Animados pelo som do carimbó e pela força da juventude do Pará, a culminância foi realizada no Instituto Federal de Castanhal. As e os participantes das duas rotas e demais estudantes, pesquisadores e parceiros da agroecologia, se reuniram durante dois dias (29 e 30/5) para trocar suas experiências.

O primeiro momento da nossa culminância, no IFPA, é marcado pela construção das instalações artísticos pedagógicas, ambientes lúdicos e interativos onde os e as participantes da Caravana podem socializar o que viram e viveram ao longo do caminho percorrido desde o dia 23, quando a Caravana partiu de Belém. Através de elementos coletados durante as visitas, as histórias são recontadas com cores, formas, cheiros e sabores.

Além das instalações pedagógicas, a culminância contou ainda com o plantio de mudas da área do campus do IFPA, como marco simbólico da primeira caravana do Pará. Em parceria com projeto de Sistemas Agroflorestais do IF, mudas foram plantadas por todos os presentes. A noite se encerrou com uma apresentação de Carimbó do grupo da terceira idade do Sesc e com o som da juventude de Castanhal que se somou a energia da Caravana e do começo do primeiro Encontro Regional dos estudantes da Agronomia, o I ERA Amazônia, organizado pela Feab.

Para encerrar as atividades da culminância, a manhã do dia 30 foi dedicada a construção do Rio do Tempo, metodologia de sistematização de experiências acionada pela equipe do projeto da ABA-Agroecologia, que busca recuperar coletivamente a memória sobre as ações realizadas pelos NEAs em parceria com diferentes parceiros na região. Para o professor Willian de Assis, da UFPA, “são lembranças marcadas por muitas histórias de vida, são ideias que movimentam memórias de muitos anos de luta na construção da agroecologia no estado”.

Após o Rio do Tempo, o encerramento da Caravana foi realizado na abertura do I ERA que “representa a força, historicamente construída em todo o Brasil, pelos estudantes na proposição de novos caminhos para a agroecologia”, como lembra a pesquisadora da Embrapa e também diretora da ABA-Agroecologia, Tatiana de Sá.



Gente de todo o canto, Gente de todo o jeito!”

Ao pensar como terminar esse texto, lembramos da conversa com Nazaré, agricultora de Irituia. Segundo ela “é muito bonito saber que gente de todo canto pode ser igual. Mesmo vindo de longe, de outra realidade, muitas vezes das cidades, aqui na Caravana vi que toda gente come de tudo, dorme em qualquer lugar e conversa com a gente do mesmo jeito”.

Esse talvez seja o maior legado das caravanas: não estamos sozinhos e a luta é de todos e todas. Ao construir ou reativar essas redes de intercâmbio, diálogo e parceria, para a realização da Caravana, o que fica mais forte é a vontade de rever quem esteve conosco durante tantos dias.

O processo de sistematização realizado coletivamente pelos NEAs do Nordeste Paraense só começou. Essa rede mobilizada para caravana continua em diálogo para relatar e anunciar para o Brasil e para a América Latina, o processo conjunto que foi a primeira caravana e para sonhar a ida à Brasília em setembro quando serão realizados, entre outros eventos: o I Encontro Nacional dos Núcleos de Agroecologia, o X Congresso Brasileiro de Agroecologia (CBA) e o XI Seminário Latino Americano de Agroecologia (SOCLA).

Em tempos de tantos desafios e retrocessos políticos, a violência no Pará cresce e atinge, incessantemente, os e as camponesas. A Caravana, assim como a Agroecologia, integra pessoas, fortalece as lutas e reascende a esperança. Agora, não apenas por um caminho ou duas rotas, mas por várias trilhas dos saberes, das amizades, das trocas e do companheirismo, os caravaneiros e caravaneiros seguem juntos e juntas no resgate de suas lembranças, memórias e vivências rumo ao 10º CBA.

Texto: Natália Almeida e Rodrigo Avelar – Equipe Projeto de Sistematização de Experiências/ABA-Agroecologia

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