Durante o XV Encontro Regional de Agroecologia (ERA), realizado entre os dias 20 e 22 de abril, em Bananeiras (PB), entrevistamos a presidente da Associação Brasileira de Agroecologia (ABA), Irene Maria Cardoso, também professora do departamento de solos da Universidade Federal de Viçosa (UFV). Na ocasião, ela falou sobre os desafios do campo agroecológico, e apontou a necessidade de aproximação entres os grupos estudantis que militam sobre o tema. Apesar de um diagnóstico ruim sobre a conjuntura política nacional, Cardoso tem esperança na juventude que está cada vez mais interessada nos debates sobre a agroecologia.
Qual a importância do Encontro Regional de Agroecologia (ERA) para região nordeste?
O ERA tem importância para o mundo, não só ao Brasil. Encontrar 500 alunos num feriado prolongado no final de semana discutindo agroecologia renova muitas esperanças de fazermos a virada. Construir outra produção, pensar a agricultura de uma forma diferente nesse país. Porque tem estudantes não só dos cursos de agroecologia ou agronomia, então essa discussão fortalece a construção da agroecologia no país. Isso fortalece a FEAB (Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil), pensar como as outras representações dos cursos vão se articular com a ABA, dentro do CBA (Congresso Brasileiro de Agroecologia) e com a ANA (Articulação Nacional de Agroecologia). Coloca o movimento dos estudantes noutro patamar de construção da agroecologia a partir desse evento, que é regional com uma representação grande dos movimentos do nordeste e vai rebater em eventos nacionais.
Quais perspectivas para que a agroecologia entre nas universidades e políticas públicas?
Precisamos avançar. O cenário nacional não está fácil, com um Congresso Nacional extremamente conservador. Caiu o rótulo dos transgênicos, então a gente vai ter que reverter isso na luta. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo, e o transgênico colocando grande risco à nossa diversidade e saúde. Esse evento vem nos alertar de que temos jovens se dispondo, então precisamos pensar como eles vão às ruas defender suas causas e o que é importante. Penso que se conseguir fazer uma articulação entre os jovens que trabalham com a questão da agricultura, a juventude do campo e da cidade, isso tem muita força. Buscar nos jovens, principalmente da cidade, um entendimento de que a felicidade está na nossa relação com a natureza e a saúde vem do alimento de qualidade. Isso você não faz com esse modelo de agricultura atual, não faz alimento de qualidade sem agricultor e agricultora. Esse entendimento da saúde vem pelo alimento, que vem mediado pela cultura. O jeito de produzir alimento não é só uma questão técnica, das ciências agrárias, e está nas mãos dos camponeses. Uma das minhas perspectivas é que vocês consigam buscar essa aliança, porque o jovem do campo está lidando mais diretamente com essas questões e o da cidade não sabe por onde passa a produção de alimentos.
Ao mesmo tempo de uma perspectiva muito sombria com um Congresso muito conservador, um momento político muito complicado e uma mídia mentirosa, que inventa e cria situações o tempo todo, além de um judiciário que não ajuda, quase uma monarquia dentro da república, temos um cenário de esperança com 500 jovens discutindo agroecologia.
Qual a sua opinião sobre a metodologia de carrosséis e vivências que estão sendo implementadas pela primeira vez no nosso encontro?
Já tinha visto essa metodologia de carrossel com outra dinâmica, e acho que independente do resultado o fato de inovar e buscar algo diferente, com mais inclusão e que você socializa e aprofunda mais a discussão, é interessante. Mas tenho algumas preocupações: como se dá a condução de cada espaço desses carrosséis, porque não adianta se não trazer o pensamento daquele coletivo, oportunizar a fala daquelas pessoas e construir um síntese. É preciso garantir na metodologia o conhecimento das pessoas, fazer sua síntese e aprofundar. Fizemos a proposta de os facilitadores gráficos facilitarem nessa síntese. Então seria interessante ver quais metodologias foram utilizadas e se garantiram o resgate do conhecimento e sua síntese para uma reflexão de avaliação depois. Daí propor melhorias aos próximos eventos. Trazer uma metodologia inovadora é muito interessante, e precisa do espaço síntese.
O que poderia melhorar na organização dos coletivos de estudantes da agroecologia?
O movimento da agroecologia tem alguns eventos: o ENGA (Encontro Nacional dos Grupos de Agroecologia), e os ERAs (Encontros Regionais de Agroecologia) e depois isso deságua no CBA (Congressos Brasileiros de Agroecologia). Ainda não tem um Encontro Brasileiro de Agroecologia nos moldes que era o EBA. O primeiro quem puxa é a REGA (Rede dos Grupos de Agroecologia), e os ERAs tem a FEAB junto aos estudantes de engenharia florestal, zootecnia, biologia, etc. A forma de realização desses encontros é diferente, mas a tendência é se aproximar. Enquanto a discussão do ENGA é mais da agroecologia e suas metodologias, o ERA sempre trouxe a discussão política de uma forma mais articulada. Mas isso está mudando: tanto os ERAs estão assimilando as metodologias do ENGA, como as vivências e metodologias mais participativas, quanto o ENGA está fazendo a discussão política em torno da agroecologia. Acho que tem muitas convergências, e não sei nem se tem divergências. Precisam começar a responder essa pergunta: Qual a diferença dos ENGAs e dos ERAs? Quais as suas complementaridades e sinergias? Não precisam desaparecer, os dois eventos podem continuar acontecendo, mas como um potencializa o outro? Isso é muito importante.
Como fazer um evento contemplando agricultores e agricultoras junto aos estudantes?
Essa pergunta a gente já faz, está na hora de vocês responderem! Está na hora de trazer todos os públicos, e isso não é difícil e já temos alguns exemplos. Temos o ENA (Encontro Nacional de Agroecologia), mas ainda é muito limitado porque sua forma de organizar ainda só tem 2 mil pessoas. O desafio é fazer um encontro de 10 mil pessoas. A mesma coisa o CBA, os agricultores podem participar mas é um evento que ainda precisamos garantir metodologicamente que os agricultores queiram participar. Porque às vezes é muito chato, então a gente está buscando aperfeiçoar isso. O pessoal de Belém está com propostas metodológicas inovadoras para fazer isso.
Acho que a gente faz garantindo metodologias diferentes. A gente constrói em Viçosa, por exemplo, a troca de saberes que é com mais agricultores que estudantes. Temos conseguido bons resultados, mas pensando em metodologias diferentes: cultura, instalações pedagógicas com os agricultores participando, etc. O grande desafio é metodológico para construir horizontalidade dos saberes. Estamos acostumados na academia a construir eventos que não trazem essa horizontalidade. Independente se tem agricultor ou não, porque tem muito estudante aqui que tem muita coisa interessante para ser socializada que não necessariamente estará dando uma palestra. A vivência, por exemplo, é um momento grande da horizontalidade dos saberes. Só entrar num ônibus ou van para ir ao local já tem uma importância muito grande. Nessa viagem com estudantes de vários lugares eles vão trocar, não ficarão calados ou no celular até por que não pega. Os agricultores serão os protagonistas, mas o bastidor estará acontecendo. Então a pergunta tem de estar na nossa preocupação: como construir metodologias que garantem a horizontalidade dos saberes e a fala de todos.